Máquinas caça-níqueis são impulsionadas por jogos de azar como “Tigrinho”
Impulsionadas por cantores e influencers, as bets caíram no gosto da população brasileira. Entretanto, antes mesmo das apostas on-line, esse tipo de mercado já era movimentado por jogos ilegais, como o jogo do bicho e as máquinas caça-níqueis. Mesmo na era digital, esse tipo de aposta ainda atraí jogadores e, inclusive, também se modernizou com o avanço da internet.
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Apenas entre junho e julho deste ano, operações da Polícia Civil (PC) e Polícia Militar (PM) apreenderam cerca de 50 máquinas caça-níqueis na capital do Estado. Os aparelhos foram flagrados em ações em bares, lanchonetes e até em uma pamonharia de fachada. Em todo o ano passado, mais de 100 exemplares foram retirados de circulação.
Buscando se modernizar, criminosos têm usado as redes sociais para divulgar sistemas de jogos de azar para as (até então) ultrapassadas máquinas. Entre as matrizes estão o “Tigrinho” e o “Halloween”. Os valores, conforme orçamento realizado pela reportagem junto aos criminosos, variam entre R$ 500 (aluguel) e R$ 1 mil a R$ 1,5 mil (compra).
“É cinco em uma, a mais completa, né. Além de ser um pouquinho mais barato, ela já tem cinco jogos. Os caras que querem jogar Halloween, jogam. Se quer jogar Tigrinho, joga. Tem a opção de comprar três [jogos] que são novos, lançamento. Porém, não tem Halloween”, revela um dos criminosos.
Caso o proprietário das máquinas queira optar por apenas uma plataforma, terá que desembolsar cerca de R$ 500 para adquirir o “Tigrinho” ou o “Halloween” – plataformas mais conhecidas e, consequentemente, as mais caras. O envio é realizado por e-mail e cabe ao comprador baixar as matrizes dos jogos em um pen-drive e, posteriormente, os instalar nos aparelhos caça-níqueis.
Os criminosos garantem que um tutorial e um acompanhamento on-line é realizado, a fim de que o comprador consiga instalar com êxito os programas. O acompanhamento já é incluso no valor da compra e/ou do aluguel.
“É um jogo bom, fácil de configurar, fácil de gravar. Uso em minha máquina também. Eu mando a matriz para você, aí eu te ensino a configurar. Não tem como eu já mandar configurado a matriz, ela é um arquivo como se fosse um programa que você vai instalar nas suas máquinas. A configuração quem faz é você, mas aí ensino a configurar”, afirma o criminosa, que continua:
“Você perguntou qual dessas é melhor? Todas são boas. O que varia é de ponto para ponto, depende do jogador. Então não tem como eu te falar se uma é boa ou outra é ruim, porque todas são boas, depende do ponto e do jogador. Vai da aceitação do jogador, entendeu?”, questiona.
Embora alimentem esse mercado, os jogadores são vistos pela lei como vítimas e, em alguns casos, testemunhas em processos movidos contra os criminosos que promovem, disseminam, patrocinam e se beneficiam do dinheiro proveniente destas apostas, conforme o delegado Anderson Pimentel. Os responsáveis por essa engenharia criminosa se enquadram no Artigo 50 da Lei de Contravenções Penais, cuja pena é de prisão simples de três meses a um ano, além de multa.
Embora a pena seja branda, o crime é considerado grave. A prática traz prejuízos à economia, por se tratar de uma atividade ilícita, não tendo arrecadação de tributos, fazendo com que a sociedade perca como um todo uma fonte de arrecadação. No quesito vício, a atividade faz com que o jogador perca a saúde financeira, física, emocional, psíquica, tendo que recorrer a tratamentos especializados.
“O combate sistemático é feito com inteligência. O que nunca se pode perder de vista é de quem milita, quem fomenta. Essas pessoas não estão preocupadas com quem está jogando, não estão preocupadas com a família, não estão preocupadas com a saúde financeira do jogador. A única coisa que ele quer é o dinheiro, é o lucro, mais nada”, reforça o delegado.
Bets e estelionato
Além das plataformas de jogos on-line, a reportagem também se deparou com criminosos responsáveis pelo mercado de estelionato envolvendo bets. Anúncios com promessas de ganhos surreais, com retornos de até 2.400%, acompanhadas de uma lábia convincente e afirmações de “dinheiro certo” “contaminam” redes como Facebook e Telegram.
O jeito de apostar, de acordo com os cibercrimonos, é simples: basta investir uma quantia em dinheiro que é administrada pelo “cabeça”, responsável pela aposta, e contar que o bilhete sugerido será o “premiado”. Isso significa que o time sugerido no palpite irá ganhar com aquele placar escolhido e o apostador assim ganhará dinheiro – um esquema de pirâmide envolvendo jogos de azar em todo país.
Se passando por um apostador iniciante, o repórter chegou a negociar com pelo menos seis criminosos de distintos lugares, como Goiás, Bahia, Piauí, São Paulo, Pará e até do exterior. Em todos os casos, o modo de aplicar o golpe foi praticamente o mesmo: o repórter teria que dar uma quantia em dinheiro (o mínimo é R$ 2) é escolher um dos palpites apresentados pelos criminosos, que segundo eles, tem 95% de chances de ser premiado. O retorno, porém, pode variar, a depender do valor dado ao estelionatário.
Em um exemplo disponibilizado pelo criminoso goiano que se identificou como Alves, por exemplo, o valor ganho com uma aposta de R$ 100 foi de R$ 3.168. Ou seja, retorno de mais de 3.000%, dinheiro que um trabalhador assalariado (R$ 1.804) levaria quase dois meses para conseguir. A aposta, conforme o bilhete, foi realizada no dia 29 de julho, às 18h30, sendo que o valor foi pago no dia seguinte, às 6h20. O jogo apostado foi entre Corinthians e Vasco da Gama pela Série A do Campeonato Brasileiro. O time paulista saiu vitorioso.
“É só você escolher e eu faço ele [aposta] pra você no seu nome. Todos os dias eu mando esses bilhetes lá no grupo. Trabalho somente com apostas, meu trabalho é sério e certo. Se você ganhar eu pago na hora, aqui não tem enrolação não”, afirmou Alves.
As apostas, conforme os criminosos, abrangem não só o futebol brasileiro, como também o estrangeiro e até a Copa América Feminina.
“95% dos bilhetes prontos aí são certos de bater. Você pode fazer o seu também, pode colocar o valor que você quiser. Não é bolão não, cada um faz a sua aposta individual. É só você liberar o PIX que eu mando para a gerência e eles fazem o seu bilhete. Você acertando, o pagamento cai na hora”, diz Luciano, um estelionatário da Bahia.
Crimes
O coordenador do Grupo de Atuação Especial em Grandes Eventos de Futebol (GFUT) do Ministério Público de Goiás (MP), Sandro Halfeld, explica que os golpes por meio de apostas esportivas pouco se diferem da maioria dos golpes, visto que a vítima imagina conseguir ganhos econômicos fáceis, mas acaba sendo ludibriada pelos golpistas. Ele reforça que, no caso das apostas esportivas, os criminosos dizem ter “estratégias matemáticas” infalíveis para ganhar.
“A vítima acredita na conversa do criminoso dando seu dinheiro para ele apostar e ganhar para ela. Para não cair em golpes o apostador deve encarar a atividade como recreação ou entretenimento e jamais como uma forma de ganho financeiro. É um risco grande demais”, disse.
Sandro orienta ainda que as dívidas provenientes de apostas são consideradas naturais pela Justiça. Ou seja, caso uma vítima deixe de receber, a Justiça não pode fazer nada para que ela receba o valor pendente.
O promotor afirma que grande parte das plataformas bet.com (voltadas a apostas esportivas) estão hospedadas fora do Brasil. Ou seja, se a pessoa apostar na plataforma e ganhar, mas não receber, o indivíduo não tem onde reclamar, visto que as empresas não se sujeitam às leis brasileiras.
“Nas obrigações naturais há uma obrigação moral para que ela seja paga. Se entrar na Justiça para cobrar uma dívida de aposta, a Justiça dirá que não tem como exigir dívida de aposta no poder judiciário. A nossa lei não garante exigibilidade de dívidas de apostas. Porém, se uma pessoa chega para a outra, engana ela, diz que consegue ganhar dinheiro e a pessoa passa o dinheiro. Isso é golpe. É crime”, concluiu.
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