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Февраль
2021

“Deus Devolve o Revólver”, de Régis Bonvicino, é um trabalho de escavação dos bas-fonds da história

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Não há pretensão de reconciliação com o tempo, mas um modo de enunciá-lo esmiuçando sua complexidade

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Não há pretensão de reconciliação com o tempo, mas um modo de enunciá-lo esmiuçando sua complexidade

Tiago Cfer

“Deus Devolve o Revólver”, conjunto de poemas de Régis Bonvicino lançado em álbum (2019) — com design sonoro de Rodrigo Dário e leituras do próprio autor, da soprano Caroline De Comi e do poeta norte-americano Charles Bernstein — descreve o movimento de uma pedrada. Apedreja as mãos cínicas em oração feita para aliciar fanáticos. Essa poesia, espécie de metal industrial eletrônico – voz gutural, power chords, microfonias, voz soprano em oposição à imagem crua das ruas –, não tem o mero propósito de chocar, embora choque. É uma poesia que se confronta. Compõe um arco, a engenharia meticulosa do movimento físico de uma pedrada atirada no espelho da indiferença narcísica cultural.

Interessante é a inserção desse trabalho, álbum com mixagens sonoras disponibilizado em mídias digitais (Spotify, iTunes, Deezer, Youtube e Bandcamp), seguido de libreto publicado em 2020 pelo selo De lírio Records. Na revista “Sibila” também está disponível um vídeo realizado por Rodrigo Dário com registros de rua feitos pelo autor em caminhadas na cidade.

Me concentro, a seguir, em uma leitura do libreto, editado por Régis e Rodrigo Dário.

O poema de abertura, lado A, “A nova utopia (01)”, escrito em dezembro 2014/janeiro de 15, deu título à mostra que ocorreu em 2016 na Oi Futuro – Ipanema, RJ.  Na fachada do prédio, ao ar livre, foi projetado à noite o poema “Frontispício”, então inédito. Há um registro de um ônibus cruzando sua projeção e a imagem, casual, de um menino tentando escalar a fachada enquanto ensaia lê-lo. Dentro do espaço da instituição, na galeria de arte, uma instalação de Luciano Figueiredo com um trecho do poema.

Na sala escura, em 12 monitores, projetava-se também vídeos gravados com jovens lendo trechos escolhidos de “A nova utopia”. No centro desta mesma sala foi colocado o poema-objeto, feito por Figueiredo com uma frase do poema para ser lida tridimensionalmente. Posteriormente, “A nova utopia (01)” aparece no selected poems de Bonvicino, Beyond the wall, edição bilíngue lançada pela Green Integer em 2017. Um trabalho que vem se desdobrando em série e que, provavelmente, será publicado em breve pelo autor.

Um bloco de prosa poética inventaria com ironia a linguagem politicamente correta que surge na segunda década deste milênio, na ressaca da crise do subprime (2007-08), e que está aí para abafar os conflitos da linguagem e da vida real.

“A nova utopia é uma borboleta negra, desatenta, com olhos exuberantes. A nova utopia é a favor da proteção implacável dos animais. A nova utopia é inclusiva, participativa. A nova utopia é o coro afinado dos descontentes. É um ex-guerrilheiro, de porte avantajado, homem forte do governo…” .

Estamos diante de uma existência complacente, pusilânime, que desmazeladamente adere aos delírios das novas condições de normalidade da sociedade necrohumana. Laboratório Brasil.

Régis Bonvicino: poeta | Foto: Facebook/Reprodução

O buraco, no entanto, é mais embaixo. Se abre no fosso, nas celas da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) de onde palavras de tortura ainda hoje ressoam em atos diários de violência. O código incrustado brutalmente na cadeia memorial da Resistência no Brasil é apresentado da perspectiva de um mundo grego de cabeça pra baixo revestido de vozes oficiais truculentas. Vem do corpo de presos políticos no edifício que hoje abriga a Estação Pinacoteca:

Pendurada de cabeça para baixo
via ao contrário a coluna em estilo coríntio
da antiga estação de trem
(…)
uma paulada na coluna
quebra as vértebras dessa puta
boca fechada, o aparelho intacto
flashback íntimo
o apontamento entre as páginas de um livro
o porta-malas do camburão
as manchetes nas bancas
“O PIB vai a 10%”,
“Prisioneiros viajam hoje”, alívio
baratas na vagina
corte, tesoura, um talho no sutiã
tesoura roçando os seios
pode pisar neles
barata devidamente arquivada no cu

O poema, intitulado “Ficção”, demonstra que o que motiva a ação humana não é o compromisso com a verdade, mas os cismas e caprichos da imaginação. Paixões. Testemunha e ficção, história e literatura se confundem. Assim como as normas fabricam, através da tortura e do massacre, um corpo dócil social: “as teclas da pianola/ em outro andar, mãos algemadas/ nu na cadeira do dragão/ o corpo do cara ficou odara” .

Desenrola-se então uma história/ficção de extrema violência, sangue, horror. Do spleen baudelairiano ao burnout da prosa atual a história passa por uma eletrocussão. É reduzida a vazio e fúria, como se lê no poema “Tarde”: “não tem mais nada, não tem spleen/ só tem porrada”. Cadeira elétrica, choque, esquecimento, desbaratino. O autor formula um registro poético minucioso de acontecimentos absconsos entranhados na história do país. Uma abertura de arquivos sórdidos (“barata devidamente arquivada no cu”), materiais acumulados e sedimentados nos preconceitos morais do brasileiro. Como a exclamação jubilosa de um bom mocismo corrente, “bandido bom é bandido morto”, ressoa uma manchete durante a sevícia apresentada em efeito estroboscópico no poema “Ficção”: “‘Metralhado e morto outro facínora’”.

Com isso, Régis não propõe resgatar as origens da tragédia brasileira, já que a noção de “origem” remete a uma concepção abstrata, à intenção de recuperar os fatos em sua essência, ou seja, flagrá-los em imagem estática, estado de perfeição, como se saíssem brilhantes das mãos do criador. Não há pretensão de reconciliação com o tempo, mas um modo de enunciá-lo esmiuçando sua complexidade. A origem, escreve Foucault, “está sempre antes da queda, antes do corpo, antes do mundo e do tempo; ela está do lado dos deuses, e para narrá-la se canta sempre uma teogonia. Mas o começo histórico é baixo” .

Contra as “comunicações oficiais” que mitigam os fatos, um conhecimento que pretende harmonizar o lugar de verdade das coisas, produzindo um saber que as recobre e ignora, aplainando-as, obscurecendo-as, o que se tem em “Deus Devolve o Revólver” é um trabalho de escavação dos bas-fonds da história.

O autor aparece de luvas, em duas imagens p/b desfocadas, entre o lado A e o lado B do libreto com os textos e informações do álbum. Rosto esfumado por trás de dedos enluvados. Imagens de luto. Algo que lembra a estética do álbum “The Pale Emperor” (O Imperador Pálido), de Marilyn Manson. Seriam luvas para tocar as camadas e interfaces tóxicas da história, os escombros das ruas? As mãos revestem-se de tecido elástico para não perder o tato do mundo? Para não imprimir nos artefatos poéticos sua impressão digital? Ou estão paramentadas para receber o revólver de Deus — máxima bélico-religiosa, sonho e promessa da família cristã brasileira — e utilizá-lo sem deixar vestígios? Seria um modo de assinar a obra sem se deixar confundir com o tempo dos assassinos?

Como notou Heidegger em suas preleções sobre Parmênides, a ação (Handlung) não significa atividade (actio), “mas o caminho com o qual, cada vez, as coisas estão presentes e disponíveis à mão”. Pela mão, e pela palavra, o homem imprime no tempo sua marca. Talvez as luvas dissimulem o apodrecimento das mãos e das palavras manipuladoras da história. Ou talvez sejam um artifício de poeta prestidigitador que não escreve com as mãos, mas com a carne viva de seus olhos, a espiral de seus ouvidos. Ele engana essas extremidades tentaculares que manobram a escrita, monopolizam o manuseio do texto. Não importa se cobertas ou não, as mãos que escrevem “Deus devolve o revólver” cumprem a transcrição maquinal da crueldade que os olhos e ouvidos captam. Como se, registrando em sua nudez o que é visto e ouvido no tempo, o poeta se eximisse do continuísmo histórico, do confessionário vazio propagado na web. A escrita não é feita para compreender, mas para cortar, conjurar o automatismo da ação. Aquele que retrata as cenas da história delas não participa senão descontinuando-as.

“Retrato”, outro poema pedrada:

Uma carroça cruza a pista
carregada de garrafas, caixas, cabos, um motor
Sábado à tarde, fim de verão,
lojas fechadas
o sol bate nos letreiros
cachorros disputam um saco de lixo
ônibus passam, meio vazios
um motorista para no ponto de táxi
vestidos de núpcias, vitrines,
Miss Luxúria
gambiarra nos postes
fios atravessam a copa de uma goiabeira
(…)
uma letra pende
do alto da porta de uma loja
um mendigo dorme
cabeça largada na mureta do canteiro
goiabas apodrecem em autópsia mútua

“Deus Devolve o Revólver” quebra o espelho dos que só agem em projeções de si. É um mostruário/monstruário dos resultados (cegos, surdos) de projetos de pessoas completamente ocupadas em agir, que não têm tempo para pensar no que estão fazendo. Logo, pessoas que também não têm tempo para ler. O poeta, tal como observa Blanchot sobre Paul Celan, resta no mundo feito um testemunho sem testemunhas. Assim, Bonvicino apela a Deus, ao mesmo Deus que fundamenta ações históricas depostas por ele de modo a descontinuá-las e, quem sabe, obter alguma espécie de absolvição. Essa via de mão dupla surge no formato de vinheta entre faixas do álbum e páginas do libreto com os versos de Augusto dos Anjos: “A mão que afaga é a mesma que apedreja/ Apedreja essa mão vil que te afaga”.

Desse modo, o poema “Álibi” discorre sobre feitos do (i)mundo, da miséria acossante, rogando piedade aos seus autores. Quem escreve e detalha essas ocorrências não consente, nem contracena. Interrompe, de algum modo, o trabalho vil das mãos sujas que deliberam a história — com pedradas.

Oh, Pai, tende piedade
dos zilionários, dos vendedores legais de armas
dos lobistas, do dinheiro farto dos narcos
dos unhas de fome, dos gigolôs dos cassinos
Oh, Pai, tende piedade
dos banqueiros, dos juros sobre juros,
do laissez-faire chinês, do marketing do bem
dos plutocratas, dos fundos-abutres
garras, o condor-dos-andes não canta (…)

O trabalho de Régis Bonvicino se realiza como contra-efetuação da vida centrada no poder, glória e fama. Trata-se de elaborar uma história a contrapelo capaz de quebrar o encanto e o entorpecimento dos indivíduos que se encaixam sem qualquer resistência ao curso raso do capital, da comunicação e da informação. Qualquer trecho do que é nomeado “a nova utopia” já expõe uma invectiva extraída do atual estado das coisas contra ele mesmo: “O novo utopista é um sicário indie. É chefe e servo de si mesmo. É uma fera. Atira de bate-pronto nos sequestradores de cérebros e nos revendedores de memória, que operam o mercado negro. Mata de verdade. É a favor do copyright. É contra o copyleft” .

Em razão de um otimismo aplainado, baseado no princípio de transparência que subordina as calamidades históricas a um processo passível de cálculo, governo e controle, no qual toda singularidade é reduzida à cotação do dólar, e Deus convertido em dinheiro, o sujeito de desempenho, eficiente, positivo, observa a desgraça das cidades através da janela de seu escritório, do vidro blindado de seu automóvel, da tela de seu computador, e coordena, planeja melhorias como quem joga videogame.

Como diz o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, a “coerção por transparência nivela o próprio ser humano a um elemento funcional de um sistema. Nisso reside a violência da transparência (…) Além do mais, uma relação transparente é uma relação morta, à qual falta toda e qualquer atração, toda e qualquer vivacidade; totalmente transparente é apenas o morto (…) A sociedade positiva tampouco admite qualquer sentimento negativo. Desse modo, esquecemos como se lida com o sofrimento e a dor, esquecemos como dar-lhes forma” .

A estética da poesia de Régis se formula em ataque ao embotamento do sujeito de ação, à sociedade positiva dos negócios. Contra o olhar absorto de quem observa a vida através do espelho, tomando-a pelas mil versões de si mesmo, contra o estado virtual/espectral de um eu sem outro, seus poemas surgem da experiência direta de quem caminha pelas ruas do centro de São Paulo e de outras capitais fazendo anotações estenográficas, ágeis, urgentes, enquanto se esquiva de assaltos e súplicas vindos em sua direção. São poemas compostos no contato com a aflição crônica da vida urbana, écfrases da indigência do mundo, vindos de um corpo presente para o qual o outro existe, está ali, numa possibilidade de conflito e estranhamento. Corpo que faz uma experiência no mundo, muito diferente da vivência de gerentes e gestores que operam com dados, informações, cifras, estatísticas, configurando a realidade em programas digitais a partir do teclado de um aparelho remoto.

O poema “Haiku”, que abre o lado B, é mais uma pedrada nas mãos digitais da história regida por Deus dinheiro:

Pedra no cachimbo
Estação da Luz: porrada
Verão, sol lilás
Pedra, narguilé
Doce como mel: porrada
Verão, o sol âmbar
É o incrível Hulk
Um avião nos pés: porrada
Janeiro, sol púrpura
(…)
Pedra no cachimbo
Arco-íris nos pés, porrada
Dezembro, sol sépia (…)

Não há aí paisagem contemplativa, simplicidade, graça, como em um haicai tradicional. O autor inverte a função estética desse gênero, provocando um estranhamento no leitor apaziguado pelo título assim que ele inicia a leitura do primeiro verso. Ao invés de uma imagem natural, tranquila, de efeito analgésico, o que se tem é uma constrição antitética da forma, uma colisão funcional entre dois objetos aparentemente incompatíveis, pedra e cachimbo. Algo inaplicável, pedra no cachimbo. Contradição de termos. Asfixia sintática. Colapso. O verso, no entanto, se apropria de um uso familiar, rotineiro, para o adicto de rua. Não há sentido figurado no poema. Apesar de a frase sugerir um contrassenso, ela não tem nenhuma inclinação surrealista. Não faz nenhum tipo de alusão à “figura simultaneamente oposta e complementar” ao objeto que representa, como observa Foucault sobre o cachimbo de Magritte. Nem oposta nem complementar, a imagem poética de Régis consiste em uma contração do que é visto e dito, num flagrante do choque entra as palavras e as coisas. A ideia de uma palavra puramente representativa amortece e banaliza a brutalidade das coisas, enquanto o estado de coisas, sem as palavras, tende a se apagar na indiferença.

O poema capta algo no meio dessa relação, apresentando-nos uma espécie de realidade alucinante. Sua forma é a de um curto-circuito entre real e alucinação. Como na fissura enunciativa do nóia: “Estou louco pra dar uma pedrada”. A vida enquanto acontecimento anti-fenomenológico é apreendida como algo que não se deixa moldar pela linguagem e a língua. Pelo contrário, é algo que as atormentam. Nesse ponto, a realidade ganha o aspecto de uma fabricação disléxica. Como no choque nocional do próximo verso. Estação da Luz não representa um lugar de paragem, tranquilidade da chegada. Muito menos um lugar iluminado, etéreo. Mas uma porrada. Réplica arruinada da abadia de Westminster, a estação causa espanto, aflição. Próxima estação, Big Ben Cracolândia. Museu da Língua Portuguesa Incendiada. Assim, a relação entre cotidiano e natureza, ao contrário da harmonia sugerida pelo haiku, se mostra exasperante. “É o incrível Hulk”. Um fim de tarde de verão lilás na Estação da Luz só pode ser desconfortável, tem um clima denso, abrasado, torpe.

Diante disso, a hipótese de um espaço neutro, livre de contradições, dominações, contágio, brutalidade, soa como ideal pueril. Demonstra uma obsessão fantasiosa por eliminar o espaço da vida. O combate ao negativo só pode ter como princípio e meta um não-espaço. Expõe um fenômeno anti-vida.

Em um ensaio de 1964, intitulado “O amante de ‘gadgets’: Narciso como Narcose”, do livro Os meios de comunicação como extensões do homem, Marshall MacLuhan observa que as criações tecnológicas funcionam como amortecedores, próteses de proteção a traumas e violações contra o corpo físico ou social. Quanto maior a ameaça sobre o sistema nervoso central, quanto mais violento for o meio em que se vive, maior a necessidade de criar extensões dos órgãos que deixaram de cumprir a proteção do sistema. Nesse sentido, esportes, entorpecentes, artefatos técnicos, tecnológicos, guerras, implicam o que McLuhan chama de “auto-amputação” de determinadas partes do corpo que não suportam tais irritações e ameaças. “O princípio de auto-amputação como alívio imediato para a pressão exercida sobre o sistema nervoso central prontamente se aplica à origem dos meios de comunicação ”.

O corpo frágil que não mais suporta dor nem sofrimento, na ausência de assistência para assimilá-los, se esgota, deprime, quer extinguir-se. Hoje, numa sociedade em que a comunicação serve para nos isolar em uma coleção de tiques e TOCs diante da tela, afastando-nos ainda mais da experiência com o outro, numa vida coletiva planetária em que a depressão tornou-se endêmica, a pulsão autodestrutiva nos dá a dimensão de nosso desamparo. Emerge, nesse contexto, uma figura monstruosa, aberrante, que o nóia talvez seja sua expressão máxima: Narciso Necrose.

Os viciados em crack que ocupam as ruas das cidades constituem o sintoma que a sociedade limpa, transparente, pretende extirpar. Formam aglomerados para uso da pedra tóxica em vãos da cidade que se alastram, são taxados de escória, corpo residual a tomar as ruas para o qual não vemos nenhuma contrapartida política de tratamento e reabilitação efetivos. Pelo contrário, o imaginário conservador, cínico, fundamentalista, que permeia a mentalidade do brasileiro, campo fértil para o império de Deus Money, não vai além de comentários e distrações fetichistas, projetando sobre este complexo problema seus fantasmas, suas afinidades televisivas, infantis, reprimidas. Uma obsessão pela ficção mais apelativa o move. É muito comum a comparação entre nóias e zumbis, os walking dead de Gotham City. E realmente talvez a coisa tenha descambado para esse tipo de analogia entre vida e ficção. Vivemos em uma realidade de mortos-vivos? O nóia virou uma espécie de saco de pancadas social? Leva porrada, bala de borracha, é tocado com jatos de água, violentado metodicamente, e está tudo dentro dos conformes. Tal é a lebre, a dificuldade, o Hic Jacet Lepus, que o poema homônimo de Régis Bonvicino nos apresenta de modo tão sensível e duro: “(…) um garoto negro, quase no ponto de ônibus,/ um par de baseados no bolso,// é preso em flagrante, por tráfico?/ leva porrada na rua, ora pro nobis/ camburão, algemas/ deus devolve o revólver” .

O lado obscuro que o narcisista politicamente correto não assume, finge não ver quando se olha no espelho e se projeta, sua versão Narciso Necrose, está nas ruas estampado no rosto de multidões de desesperados, viciados, selvagens violentos, depressivos insones em movimento automático. Talvez essa cena tenda a piorar, ou melhor, talvez ela seja aprimorada, ampliada, mantida por maior duração para que os homens de negócios, “uma brancaiada tola” (“Nova utopia (2)”) , em sua passagem pelas capitais do planeta fechando contratos zilionários, possam vivenciar, usufruir do glamour fílmico que é atravessar a cidade dentro de uma limusine blindada. Espécie de turismo no Teleférico do Alemão generalizado.

O nóia parece o inverso equivalente intensificado do sujeito de negócios. A fissura, o anonimato, a perda do rosto em meio ao bando homogêneo de sombras, a vida radicalmente antissocial, a miséria, são condições que ele aparentemente rechaça. Contudo, com maior atenção percebemos que essas características do nóia formam um negativo radiográfico daquele. O nóia dá a pedrada para dentro de si, o sujeito de negócios lucra. Duas medidas, um peso. Duas figuras, um rosto: Narciso Necrose. Pedrada.

Fantasia que o poema “Da janela do quarto” expõe: o sonho bossa-novista — quiet nights of quiet stars — na base de um pesadelo, bossa nova nightmare. O cinismo e o fingimento que a cultura boa-vida propaga, além de servir de publicidade para um comércio ainda mais exploratório no país (prostituição, turismo predatório, precarização do trabalho local, narcotráfico, etc.), de reiterada visão do paraíso, nebula nossa compreensão dessa estrutura exploratória. O poema de Régis recria “A garota de Ipanema” despedaçando o enlevo poesia/letra/canção.

(…)
A garota de Ipanema
De Vinícius e Tom Jobim
mora hoje em Arrelia, Andaraí
é mais que um poema
paga o dízimo, da igreja e da milícia,
ônibus lotado, caindo aos pedaços,
de moto, um PM arranca o celular
hoje pelo menos faltou presunto
a caminho do mar,
e sua irmã gêmea, a coisa mais linda,
mora com o gigolô da boca
em Drummond, Cachambi
Papelotes de cristal e cocaína no sutiã
à noite, frequenta o Leblon
Troca de tiros na web e na tevê
Complexo da Maré,
Bossa Nova nightmare

“Deus Devolve o Revólver” nos revela certa dimensão lynchiana que a vida tomou. “Sonhar, sonhar, sonhar, é o grande negócio da vida!” (“A nova utopia (07)”). Vivemos na cidade dos sonhos? Em um círculo vicioso que o filme palíndromo de Guy Débord sugere — In girum imus nocte et consumimur igni (“giramos na noite consumidos pelo fogo”)? No Brasil, o filme consiste em um close indelével na paisagem do rosto necrosado do nóia. Só que esse filme de terror (Brutal Br) é feito à base de pedradas.

Tiago Cfer é filósofo.

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