Precisamos conversar sobre o nosso sofrimento...
Há alguns anos, o mês de setembro vem sendo tomado como um mês importante para abordarmos um tema bastante sensível e delicado: a prevenção do suicídio. No Brasil, é comum que esse tema seja esquecido, em grande parte do ano, mas que retoma com força total, em setembro, sejam nas campanhas dos serviços de saúde, das escolas e, até mesmos, empresas e outras instituições que distribuem fitas, balões e iluminam seus prédios com a cor amarela. Particularmente, senti um pouco de dificuldade em escrever sobre esse assunto, em um veículo que alcança um público tão diversificado. Ao mesmo tempo, me recordei que, mesmo entre estudantes e profissionais de saúde, o suicídio ainda é um tema que causa angústia, medo e insegurança. O receio de que a abordagem do tema possa influenciar pessoas em sofrimento psíquico, ainda se faz presente, embora instituições como a Organização Mundial da Saúde incentivem o diálogo e a reflexão sobre o assunto. Por outro lado, influenciadores digitais e outros comunicadores, inundam nossas redes sociais com campanhas que, não raramente, estão mais interessadas nos likes e nos impulsos de marketing, comprometendo a comunicação séria sobre o assunto. Em um mundo marcado por uma positividade tóxica, em que todos devem atender ao imperativo de ser feliz, a todo o tempo e a qualquer custo, falar sobre nossa fragilidade, parece ser um assunto proibido e quase impossível. Se você olhar ao redor, verá que algo semelhante ocorre em nossas relações familiares, de amizade e de trabalho. Evitamos pensar no assunto e nos negamos a ouvir aquelas pessoas que nos procuram para compartilhar seu sofrimento. Nesses momentos, que também são vivenciados por profissionais de saúde e educação, é comum que as pessoas se angustiem e se desesperem com o tom da conversa e, rapidamente interrompam a pessoa que sofre, seja com uma frase de efeito (“Saia dessa! Levante a cabeça!”), uma mensagem religiosa (“Você precisa de Deus na sua vida! Vai rezar!”) ou mesmo alguma solução mágica (“Faça atividade física! Faça meditação!”) que impedem a escuta verdadeira daquele que sofre. Em outras circunstâncias, é comum que, ao identificarmos uma pessoa em sofrimento psicológico, seja um aluno, um funcionário, um amigo ou familiar, recorremos aos encaminhamentos para um outro profissional de saúde ou mesmo, ao SAMU, buscando nos livrar do fardo de termos sido escolhidos para essa conversa tão delicada. Nesses momentos, é comum sentirmos medo e, até mesmo, culpa por não termos ajudado, efetivamente, a pessoa que compartilha conosco suas angústias e sofrimentos. Contudo, também é verdade que nos esquecemos da importância e potência do acolhimento, uma palavra antiga, que remete à capacidade de dar colo, ou seja, escutar, verdadeiramente, não apenas as palavras, mas também os sentimentos daquela pessoa que sofre. Carl Rogers, um importante psicólogo e fundador da Psicologia Humanista, acreditava que, assim como as relações profissionais, como aquelas que construímos com psicólogos, psiquiatras e professores, qualquer relação pode ser efetiva para ajudarmos alguém em sofrimento. Para isso, seria indispensável observar nossas relações diante do encontro com os nossos semelhantes. Somos, efetivamente, capazes de escutar o que o outro está me comunicando? Temos, realmente, o desejo de ajudar, incluindo participar, ainda que por alguns momentos, do sofrimento do outro? Podemos aceitar aquele que sofre, sem julgamentos, preconceitos ou desejo de que ele se adeque às nossas expectativas? Conseguimos demonstrar nossa vulnerabilidade, enquanto seres humanos, ou optamos por simular um personagem frio e insensível à dor humana? Sou capaz de abandonar meu referencial de vida para me abrir à experiência daquela criança, adolescente, adulto, idoso que sofre, me esforçando para enxergar o mundo com os seus olhos e não com o meu umbigo? Rubem Alves, poeta e psicanalista mineiro, constatou, certa vez que, precisamos de cursos de escutatória, mais do que os de oratória. Em outras palavras, precisamos reaprender a escutar, e não apenas ouvir. Precisamos reaprender a potência dos encontros, por meio dos quais nos abrimos, nos confortamos e ganhamos forças para seguir em frente. Alguns estudos vêm mostrando que, nos casos de ideação suicida, é essencial que a rede de contatos (pais, amigos, familiares, professores, religiosos) acolham a pessoa em sofrimento, sem julgamentos ou prescrições de como deveria viver a sua vida. É preciso suportarmos o sofrimento do outro, abrindo espaços, num mundo que esconde a sua dor, para colocarmos em palavras, as experiências que nos machucam e se tornam quase inomináveis. E para isso, não é preciso uma formação específica ou ter concluído um curso sobre o tema. Muitos daqueles que nos ajudaram, em momentos difíceis de nossa vida, nos deram aquilo que melhor tinham: a presença.Se alguém te escolheu para narrar o seu sofrimento, ofereça colo e uma escuta atenta e interessada. Lembre-se: não existem soluções rápidas e prontas, como muitos desejam, para a complexidade da subjetividade humana. Por isso, antes de qualquer encaminhamento profissional (também necessário), fortaleça o vínculo com essa pessoa, para que ela se sinta segura e confiante de que, pelo menos uma pessoa, se importa com ela. Assim, você poderá conversar com ela sobre a necessidade de busca de um auxílio profissional, como aquele que vem sendo oferecido nos serviços de saúde mental. Se possível, se ofereça para ir com ela, demonstrando seu apoio que, cada vez mais, vem sendo considerado como um elemento fundamental para garantia de que essas pessoas cheguem aos serviços de saúde. Talvez, em um futuro próximo, as campanhas de setembro amarelo mudem de foco e deixem de se preocupar tanto com o falar sobre assunto e criem condições para aprendermos a escutar mais, sejam aqueles que sofrem, como também, a nós mesmos. (*) Alberto Mesaque Martins é Psicólogo, Doutor em Psicologia. Professor da UFMS.