Bariani Ortencio: o genial artista — trezentos, trezentos e cinquenta
Maria de Fátima Gonçalves Lima
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta,/ As sensações renascem de si mesmas sem repouso — Mario de Andrade
O paulista, nascido em 1923 na cidade de Igarapava, Waldomiro Bariani Ortencio, descendente de italianos, revolucionou a cultura do Estado e Goiás: escritor, comerciante, folclorista, compositor brasileiro, ativista cultural, entre outras atividades. Foi o nosso midas, tudo o que tocava virava ouro. Faleceu com 100 anos no dia 15 de dezembro de 2023, em Goiânia.
Como comerciante, fundou o Bazar Paulistinha, uma loja de discos, e descobriu os grandes músicos, cantores e uma plêiade de compositores brasileiros, como Irmãs Santos, Duo Paranaense, Trio da Vitória, Duo Estrela D’Alva e Duo Guarujá. O Bazar era um ouro musical. Foi Goleiro do Atlético Clube Goianiense, professor de Matemática, fazendeiro, (Fazenda Serrinha, nos municípios de Guapó e Aragoiânia) industrial (Cerâmica Serrinha e Emicisel – Empresa de Mineração Serrinha – Indústria e Comércio Ltda.) como serraria de granitos e exportação de blocos para Itália (Granito Silver Gray, Rosa Brasília e Vermelho Brasília) e minerador. Criou, produziu e gravou (na voz de outros) mais de 50 músicas (letras e versos gravados). É autor da “música que se tornou o hino de Brasília: “Brasília – 21 de Abril” (na sua inauguração – 1960). A Orquestra e Coro RGE gravou a marcha, de sua autoria exclusiva e, no mesmo disco, a marcha “Brasília a Capital da Esperança”, composta em parceria com Henrique Simonetti e Capitão Furtado e, assim, fez história e construiu muitas narrativas, na arte e cultura de Goiás. Teve uma atuação na área, que considero a mais longeva, mais completa e mais plural da atualidade.
Começou a escrever, ainda jovem, no jornal estudantil O Chicote, de sua terra natal e depois, Lyceu de Goiânia. Escrevia no jornal estudantil da escola. Posteriormente, foi redator de crônicas para a Rádio Clube de Goiânia e, às vezes, também, publicada no jornal A Folha de Goyaz.
Enfim, foi múltiplo. Ele podia até recitar o famoso verso extraído de um poema do livro Remate dos Males (1930) de Mário de Andrade, que reflete a diversidade da vida e da obra do poeta paulista e um dos fundadores do modernismo brasileiro: “Eu sou trezentos” e a frase completa é: “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta”. O poema, de Mário de Andrade explora a multiplicidade da identidade e a busca por si mesmo e exprime a multiplicidade de sensações, experiências e facetas que compõem a identidade de uma pessoa. Waldomiro Bariani Ortencio tinha uma identidade fluida e multifacetada, que estava em constante transformação. Possuía inúmeras atividades, que faço questão de reiterar: comerciante, músico, compositor, folclorista, dicionarista, contista, romancista, poeta e criou o famoso peixe na telha, história e memórias de vitória jurídica narrada em crônicas e causos relatados nas conversas dos encontros festivos, especialmente no livro de crônicas (2005) publicadas no jornal O popular, de 1991-20025, página 79, no livro Minhas reminiscências – Memorial desde a fundação de Goiânia (2016) que detalha a história do PRATO GOIANO RECEBE PRÊMIO, compartilha a receita e narra a história da implantação do prato na Telha:
A história: em 1978, quando o professor Aldair da Silveira Aires montou o Forno de Barro na Rua 83, hoje Henrique Silva, viu umas amostras de telhas na minha cerâmica Serrinha, aqui no escritório, quando surgiu a ideia de se fazer a peixada servida numa telha. Prensei várias telhas plan e colonial, fechei as extremidades, antes de queimá-las, e o teste foi feito aqui na minha residência, quando o prato foi aplaudido por vários intelectuais, nossos convidados, notadamente o então escritor e vice-governador Ursulino Leão. […] Pelo dito e exposto ninguém aqui em Goiás ignora os autores, os criadores do Peixe na Telha (Ortencio, 2016, p.242).
Recebeu dezenas de Prêmios, Troféus e Láureas em concursos e festivais brasileiros entre eles Prêmios Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos, da Prefeitura Municipal de Goiânia; Bolsa de Publicações José Décio Filho, do Governo do Estado de Goiás; e Prêmio João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras. Foi finalista em vários concursos nacionais e internacionais; Paraninfo e Patrono de Formandos a partir de 1972, quase todos os anos. Recebeu título de Cidadão Goiano, proposto pelo então deputado Ursulino Tavares Leão, entregue oficialmente 17 anos depois, em 1985; Título de Cidadão Goianiense, em 1996, e inúmeros outros importantes títulos, diplomas e medalhas. É nome de dezenas de Bibliotecas e pertenceu a várias entidades culturais e empresariais, entre elas: Academia Goiana de Letras – 1962 (tesoureiro), titular da cadeira n.º 9, cujo patrono é Antônio Americano do Brasil; Sócio correspondente da UBE – União Brasileira de Escritores do Amazonas – 13.02.82; Sócio correspondente da Academia de Letras do Estado do Tocantins – Palmas – 02.03.91; Membro efetivo da Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes – Cadeira 40 – Patrono Victor de Carvalho Ramos – 02.05.91; União Brasileira de Escritores de Goiás (presidente por três vezes) (tesoureiro); Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (tesoureiro); Comissão Goiana de Folclore; Conselho Estadual de Cultura; Comissão Julgadora do Concurso de Música Sertaneja do SESI-GO, Presidente da Academia de Letras do Centro-Oeste (Barra do Garças – MT); Ordem Nacional dos Bandeirantes (São Paulo – SP); Academia Paulistana da História (São Paulo – SP); Sociedade Geográfica Brasileira (São Paulo); Associação dos Protetores do Bosque dos Buritis (ex-presidente-fundador); Membro do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – Sociedade Goiana de Cultura da Universidade Católica de Goiás (hoje, PUC Goiás); Conselheiro Honorífico da Sociedade Goiana de Cultura da Universidade Católica de Goiás (hoje, PUC Goiás); Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (casa da Memória Norte-Rio-Grandense); Presidente da Comissão Goiana de Folclore, eleito em 15.08.2000, filiada à Comissão Nacional de Folclore, da UNESCO (órgão cultural das Nações Unidas) e do IBECC (Instituto Brasileiro da Educação, Ciências e Cultura); Suplente do Conselho Consultivo da Comissão Nacional de Folclore, pela região Centro-Oeste; Membro da Academia Palmeirense de Letras e Artes (APLA) Cadeira 3 (Palmeiras de Goiás), entre outras.
Sua obra literária é vasta: 1956 – O que foi pelo sertão – Ed. Autores Novos – SSP – 2006 2ª Ed. – Kelps – Ed Comemorativa dos 50 Anos de Literatura do autor; 1959 – Sertão o rio e a terra – Ed. Livraria São José – RJ; 1965 – Sertão sem fim – Ed. Livraria São José – Rio – 2ª UFG – Goiânia – 2000 – 3 ª Ed. – 2011; 1967 – A cozinha Goiana – 1ª Ed -Brasilart – RJ, 1980 -2ª Ed – Oriente – Goiânia/GO, 1990 – 3ª Ed. Eldorado-Brasília, 2000 -7ª Ed – Kelps; 1969 – Vão dos Angicos – Ed. José Olympio – RJ; 1974 – Força da terra – Ed. José Olympio – RJ; 1974 – Morte sob encomenda – Ed. M M (CBS) – SP; 1975 – Dr. Libério – o homem duplo – Ed. M M (CBS) – SP. 2ª Edição. 1996-Ed. Kelps-GO; 1981 – Estórias de crimes e do detetive Waldir Lopes – Ed. Ática – SP; 1983 – Dicionário do Brasil Central – Ed. Ática – SP; 1985 – O enigma do saco azul – Ed. Atual – SP (9ª edição – 1992); 1987 – Aventura no Araguaia – Ed. Atual – -SP (6ª edição-1992); 1990 – A deal with death – Ed. Thesaurus Publishing Hourse – Brasília-Miami-EUA; 1993 – Meu Tio-avô e o Diabo – Ed. Estação Liberdade – SP – (2ª ed. Ed. Kelps-Goiânia-1997) – Indicado para os vestibulares de 1998, pela Universidade Federal de Goiás e pela Universidade Católica de Goiás e mais 27 faculdades, 4ª edição 2011. Meu Tio-avô e o Diabo esteve no Vestibular de 98, em três universidades (Federal, Católica e Universo), em 27 faculdades e em todos os colégios do antigo 2º grau do Estado de Goiás; 1994 – Medicina Popular do Centro-Oeste – Ed. Thesaurus – Brasília-DF (2ª Edição – 1997 – Ed. Thesaurus Brasília-DF); 1996 – João-do-fogo (infantojuvenil) Ed. Kelps –GO; 1996 – Estórias de muitas Estórias – (Romance Oriental) – Edição Lufthansa-Ed.Kelps-Go; 1997 – João-do-Fogo e Pimentinha – Detetives (infantojuvenil) – Kelps-GO – 6ª Edição – 2011; 1997 – Cartilha do Folclore Brasileiro (Prêmio João Ribeiro – FOLCLORE – da Academia Brasileira de Letras-1986) – Ed UCG– 2004 – 2ª Edição Ed. UFG; – 1998 – O Homem que não teimava – 5ª edição (Paradidático) – Saraiva (Coleção Jabuti) – SP; 1998 – Crônicas & Outras Histórias (participação) Jornal O Popular; 1999 – João-do-Fogo e Pimentinha – Novas Aventuras – Kelps-Go; 2001 – Caminho da Liberdade – Kelps-Go; 2005 – A Fronteira (A Revolução Constitucionalista de 32 e Minha Vida de Menino) – Prêmio CLIO da Academia Paulistana da História e edição premiada pelos Correios; 2005 – Crônicas (1) – Kelps; 2007 – O que foi pelo sertão – 2ª edição, Ed. Kelps; 2007 – Ingênuo, nem tanto… Saraiva – Coleção Jabuti; 2007 – O homem que não teimava – 6º edição – Saraiva – Coleção Jabuti; 2007 – Crônicas 2. Ed. PUC/GO; 2009 – João-do-Fogo (O pequeno herói ecologista) -5ª edição, Ed. Kelps – 2011; 2009 – Cartilha ao pré-escritor (Você gostaria de escrever um livro?) Ed. Thesaurus; 2010 – Crônicas 3. Ed. PUC/GO; 2011 – História Documentada e Atualizada de Campinas -1810-2010. – Ed. Kelps; 2011 – Crônicas 4 – PUC/GO – Kelps; 2012 – Medicina Popular do Centro-Oeste – 3ª Ed. Thesaurus Editora; 2013 – Cartilha do Folclore Brasileiro – 3 ª Ed. Thesaurus Editora; 2013 – Cozinha Goiana – Edição especial – Ed. Kelps; 2014 – Cozinha Goiana – 8ª Edição – Ed. Kelps; 2016 – Minhas Reminiscências – Memorial desde a fundação de Goiânia – Kelps – GO; 2019 – Deus fez tudo certo – Livro semiparadidático – Kelps – GO.
Na literatura iniciou, em grande estilo, em 1956, com O que foi pelo Sertão (obra laureada com prêmio Americano do Brasil da Academia Goiana de Letras). Essa obra pode ser classificada na categoria do que hoje chamamos de econarrativa, pois apresenta o cotidiano de um personagem, Joaquim, homem do campo, com sua vida simples da roça, acendendo seu cigarro de palha pachorrentamente, com a fumaça a espalhar pelo ar “no espantar das muriçocas”.
O livro O que foi pelo Sertão registra uma geopoética e desenvolve uma consciência ecológica do sertão e da natureza do cerrado goiano e dá voz a algo silenciado, para estabelecer a ligação entre natureza e mundo exterior, alterando o ponto de vista homocêntrico para ecocêntrico, dando protagonismo ao espaço extrínseco ao autor. Local e contexto são, nessa perspectiva analítica, incontornáveis e verberam o intimismo da relação entre o homem e o seu meio ambiente. Essa mesma linha da narrativa ecopoética segue as obras Sertão o rio e a terra, 1959 e Sertão sem fim – (1965/2000).
Em Sertão sem fim – (1965/2000) o autor descreve o campo, a biodiversidade do cerrado com as caraíbas em flor, as árvores, como por exemplo, as medicinais sucupiras espalhando sementes:
Neste mês de agosto o mato fica uma beleza. As caraíbas pintam o cerrado com seus cachos de flores amarelas. A maior parte, nem folhas têm, é aquela rodeira de ouro. Por todos os lados as sucupiras pretas estão roxinhas que só paramento de semana santa. (Ortencio, 2000, p. 152).
Nesse sentido, Bariani Ortencio – bem antes dos teóricos William Rueckert, em 1978, e Cheryll Glotfelty, em 1996, com O leitor da ecocrítica: marcos na ecologia literária. (The Ecocriticism Reader: Landmarks in Literary Ecology) falarem da Ecocrítica (o termo utilizado para definir o estudo da relação entre a literatura e o meio-ambiente, posicionando a natureza em um ponto central dos interesses do homem) – já pensava nesse tema nos ermos goianos como seus primeiros livros.
Em Sertão sem fim (1965/2000), em todos os contos, Bariani Ortencio descreve o cerrado, os costumes sertanejos, as casinhas com tijolos de adobe da beira dos caminhos do sertão goiano, com as flores da roça espalhada no terreiro e pezinhos de frutas nos quintais ou na região cerradeira (os roceiros diziam “pé de fruita”), as plantinhas caseiras e medicinais, horta, os animais domésticos, o barulho e o silêncio do campo:
Casinha de beira de estrada, lá em cima do barranco. Casinha poética, baixinha, da altura dos seus pés de flores. Só lhe passam em altura as copas do mamoeiro da frente e das bananeiras do fundo. Em frente, pés de manjericão, de bico de papagaio, de crista de galo. Rasteiros, beijos e periquitos, cravos de defunto. Tudo isto plantado ao sabor da mão jogada, nada ordenado. Agora, o ponto máximo da vivenda bucólica é o pé de chuva-de-ouro que ela tem ao lado. O senhor já viu um pé de chuva-de-ouro, sem folhas, carregado de cachos dourados? Já pensou?! Casinha de beira de estrada onde todo mundo pede água, bebe gostoso, do pote encravado na forquilha de três pernas, na caneca de alumínio. Casinha de adobe; caiadinha de poeira, de telhas vãs. Casinha bonitinha, poética, saudável, romântica, para os que passam. Mas, pra o Limírio e os seus que moram lá dentro, o quadro é pelo avesso. Não reparam em nada disso. Os seus olhos não veem a força da natureza, não sabem fazer poesia; nem mesmo o pé de chuva-de-ouro acham bonito: – Como chama esta árvore, sêo Limírio? – Pé de flor… E quando lhe perguntam pelas frutas do campo, do cerrado, aquelas que não são demasiadamente comuns, responde: ‘pé de fruita’ (Ortencio, 2000, p. 76).
Descreve o fogão a lenha, como lugar poético, no gerúndio contínuo e estar sempre cozinhando a culinária goiana: o frango, o arroz, o pequi:
[…] o pequi cozinhando colhido no pé por perto, no campo, cozido rapidamente, bem polpudo, bem carnudo”. […] “O sol, assim meio em declive, mandava da Romuada pra cozinha, entre três e meia e quatro horas. Na panela de barro, refogava um arrozinho com pequi bem carnudo, apanhado ali mesmo, em frente, no cerrado. A panela chiou alto e pela casa toda rescendeu aquele cheiro gostoso de pequi. Sêo Ingrácio, então, viu que era hora de pegar o chicote e apartar os bezerros. Mas, pela janela, avistou, já chegando, a figura antipática, indesejável, do Alvarino, montado numa mula de raça. O velho estremeceu todo e inadvertidamente caiu sentado no banco comprido de tabua que tomava toda uma parede.” (ORTENCIO, 1965/2000, p.102)
Diante do exposto, Waldomiro Bariani Ortencio realizou um trabalho da corrente contemporânea Ecocrítica, mesmo sem conhecer essa corrente estética e literária que busca refletir a arte da palavra (poesia ou prosa) em sua imersão nas questões que abordam o homem e sua conexão com a natureza, a cultura e a sociedade que habita sendo, inclusive, responsável, ética e moralmente.
A teoria do Ecocriticismo, propulsionada por uma consciência universal de crise, demonstra sua preocupação com os aspectos éticos, os compromissos e os impactos ambientais. Ela se propõe a estudar, sob os prismas estéticos e culturais, as manifestações artísticas contemporâneas que se delineiam das problematizações do meio ambiente que se deteriora lentamente, graças às intervenções humanas nas três ecologias a que se refere Félix Guattari: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana, sob o viés das artes e da poética do imaginário.
Na mesma linha está a obra A cozinha Goiana (1967) que Izabel Cristina Alves Signoreli, em sua dissertação de mestrado (2010) Cozinha Goiana: Identidade e Tradição Culinária em Bariani Ortencio, defende que Bariani:
registra costumes da população, compara técnicas no modo de fazer as receitas, estuda as influências dos costumes alimentares entre os mineiros, os paulistas e os goianos. Esta, pesquisa, portanto, investiga a identidade do povo goiano com as tradições culinárias, mostrando os pratos regionais do Estado e que em Goiás não se come como comem os brasileiros de outras regiões. Onde a cozinha é um símbolo cultural, memória e, também, um fator de identidade. Os rituais em torno da alimentação entre os goianos são aspectos relevante a sua sociabilidade, o autor buscou, em Receita de Goianidade, construir uma proposta que explicasse a associação entre comida e identidade, além de tornar claras as questões que nortearam os hábitos alimentares a partir de determinantes histórias e símbolos específicos que, por sua vez, auxiliaram na composição do mito de goianidade (SIGNORELI, 2010, p. 10).
Na obra Vão dos Angicos (1969), a partir do título, Bariani Ortencio apresenta uma consciência ambientalista e aborda o homem e sua conexão com a natureza, a cultura e a sociedade que habita, sendo, inclusive, responsável, ética e moralmente. Apresenta a simplicidade do homem do campo “roceiro analfabeto” que possui grande cultura sobre o homem e a natureza, são os doutores da natureza, sabe tudo sobre o uso das árvores, sem destruir o bioma, conhece tudo sobre os arbustos, o cerrado, os passarinhos e até as caças aos animais para subsistência, o uso da natureza, das embiras, com sua fibras, usada para fazer cordas e amarração, e árvores como o guatambu (a árvore guatambu é uma espécie nativa da região sul do Brasil, especialmente valorizada por sua madeira resistente e seu papel na preservação do ecossistema local. Símbolo de força e equilíbrio, essa árvore representa as raízes profundas e a conexão com a terra) a perobinha (Árvore ornamental de pequeno porte, capaz de rebrotar com força após o fogo. Ela também regenera em áreas úmidas. É recomendada para projetos de restauração do Cerrado). Fala, também, de várias árvores frutíferas, como a pindaíba, uma parente próxima da graviola, além de experiências como o conhecimento das cobras, os momentos de caças (que naquela época, os jovens não possuíam espírito destrutivo) era para sobrevivência, então pegavam “trocazes” (pombo-torcaz que chega a medir mais de 40cm), inhambus e jaós. Descreve como era a vida livre de jovens que moravam nesse mundo do cerrado de Goiás, que frequentavam uma única escola da região.
Mas se os roceirinhos continuavam analfabetos, sem perspectivas de qualquer luz de instrução, eram exímios nas pegas de passarinhos de proveito, os que se comem. Dos pés de carrapichos tiravam embiras e os paus para as arapucas. Do guatambu, da perobinha ou da pindaíba, faziam os laços que atiravam para o ar as pombas juritis, as verdadeiras, as trocazes, os inhambus e as jaós. Montavam em pelo e pintavam o diabo nos lombos dos potros e das éguas. Entendiam de cobras, também. As de rabo fino, as que sobem em árvores, seguravam-nas e deixavam que se enrolassem em seus braços. As venenosas, de rabo grosso, ligeiramente despontado, pegavam-nas com os laços de cordão. No córrego ferravam, com anzóis-mosquito marca Chave e isca de minhoca, os lambaris ariscos e os piaus velhacos. Com os lituanos, curtos e grossos, minhoca também, ou isca de passarinho, pegavam bagres e mandis, melhor à noite ou quando chovia, água turva; aqueles com linha de rabo de cavalo, estes com de algodão, encerada, banhada de barbatimão (Ortencio, 1969/80).
Em sua obra, Bariani nos leva aos postulados de Félix Guattari, As três ecologias (2001), que observa as três rubricas complementares – a ecologia social, a ecologia mental e a ecologia ambiental – sob a égide ético-estética de uma ecosofia, que observa a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana, sob o viés das artes e da poética do imaginário se comunica com o imaginário social, no contexto em que o meio físico se afirmar como matéria de um amplo universo de representações, mitos e símbolos desse bioma.
A obra Força da terra (1974) é uma narrativa poética que destaca a paisagem: o vento do cerrado, ora macio, ora frio, ora sereno sobre os buritizais, as cachoeiras da terra, as pescarias sob o encanto da cor da lua do Cerrado: uma amarelo dentro da noite goiana:
A lua é amarela. O amarelo, na noite dentro, vai formando auréolas brilhantes nas árvores e coqueiros muitos, buritis. Tremeluzindo as copas, carícia de vento manso, a brisa. Ronco surdo de cachoeira, o farfalhar não se houve, tudo abafa. Mas o céu é amarelo, a lua colorindo, nuvens brancas frisando de ouro, correndo. E o friozinho da noite, cismando a gente, parece vir dos perfis das folhagens, chegando suave, mandado pelo balanço dos galhos, pra lá e pra cá, os troncos semidormidos, as copas ninando, ciciar, a cachoeira roncando. Paz selvagem. Está iscando a pindas, que de dia as piranhas e a miuçalha não deixam. Não usa o remo: vai de pé na canoa, segurando, puxando os galhos. Pela manhã volta pra recolher o peixe, sungar os anzóis, encastoar linhas, que nem sempre o surubim perde a luta. Jaú-de-cama, saipé saltador, isto é lá mais acima, junto à cachoeira, o primeiro retesado nas pedras, o segundo, lépido, nas corredeiras. (Ortencio, 1974, p. 80)
Nesse trecho, Bariani Ortencio traz Poética do Imaginário do Cerrado Goiano e com a fenomenologia do imaginário e da imaginação e ainda com a magia das imagens da arte da palavra.
E o friozinho da noite, cismando a gente, parece vir dos perfis das folhagens, chegando suave, mandado pelo balanço dos galhos, pra lá e pra cá, os troncos semidormidos, as copas ninando, ciciar, a cachoeira roncando. Paz selvagem. Está iscando a pindas, que de dia as piranhas e a miuçalha não deixam. Não usa o remo: vai de pé na canoa, segurando, puxando os galhos. Pela manhã volta pra recolher o peixe, sungar os anzóis, encastoar linhas, que nem sempre o surubim perde a luta. Jaú-de-cama, saipé saltador, isto é lá mais acima, junto à cachoeira, o primeiro retesado nas pedras, o segundo, lépido, nas corredeiras. […] “Era o mês de janeiro e de flores silvestres. Por perto, algumas carobinhas roxas, muita flor amarela de angiquinho e muitas brancas do pau chamado jacaré. O rapaz apanhou uma braçada delas.” (Ortencio, 1974, p. 168).
As proezas das palavras vão além da expressão do pensamento. E, deve ser lembrado, que imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de formar imagens da realidade; é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a realidade. Nessa acepção, ele realiza uma “fenomenologia da imaginação” e não se contenta com uma redução que transforma as imagens em meios subalternos de expressão. Ela “exige” que vivamos diretamente as imagens, que as consideremos como acontecimentos súbitos da vida e desse Cerrado e Deus e dos homens.
As obras Dicionário do Brasil Central (1983), Aventura no Araguaia (1987), Medicina Popular do Centro-Oeste (1994), Cartilha do Folclore Brasileiro (1997), Medicina Popular do Centro-Oeste (2012), Cartilha do Folclore Brasileiro (2013), seguem essa linha trabalhos que envolvem essa interação do homem com o meio ambiente, com estudos sobre o espaço, linguagem e estudos sobre a medicina popular e folclore. Enfim, no geral, Bariani Ortencio apresenta também contribuições sobre experiência humanas, incentivando ações que promovam um desenvolvimento sustentável e um equilíbrio entre todas as formas de vida.
Na obra Morte sob encomenda, de Bariani Ortencio (1974), direciona seu trabalho literário para o mundo das narrativas policiais, com o suspense, o horror, os mistérios e/ou enigmas e faz sua estreia no gênero com um livro composto por seis contos: “Olho de lobo”; “O sósia”; “A barreira”; “Um rapto de brincadeira”; “Instabilidade”; “Na pauta, o problema” e a novela homônima “Morte sob encomenda”. Foge, portanto, das questões ambientais ou regionais, mas não perde seu estilo de um bom contador de causos regionais, meio anedóticos:
Um tal Bolivar, que a gente vai conhecer daqui pra diante, pegou pelo outro lado, o adágio. Queria ganhar na loteria com o casamento. Desejava dinheiro reunido, muito! Com a mulher daria um jeito, iria levando. O amor poderia vir depois, como se vê contar (Ortencio, 1974, p. 99).
Em Morte sob encomenda não há preocupação em criar ambiente sombrio, como um Edgar Allan Poe com descrições misteriosas das personagens e com ricas descrições sinistras do ambiente, os enigmas são marcados pelo humor e o tom do narrador é de um bom contador de causos sinistros dos nossos ermos.
No livro Dr. Libério – o homem duplo, publicado em 1975, no gênero ficção científica, Bariani dá vida a uma personagem, Dr. Libério, professor, pesquisador e neurocirurgião, que ficou planejando um transplante de cérebro. Tem o seu removido e ocupando o espaço deixado, inserem o de Luciano, que era amante da esposa do cientista, estudante de direito e corretor de imóveis. Luciano é assassinado pelo médico e tem o seu cérebro transplantado para o corpo do próprio Libério, que havia simulado como álibi para o assassinato, uma doença neural degenerativa. Ou seja, o duplo se manifesta na presença do cérebro de Luciano incrustrado na caixa craniana do médico, comandando o corpo do médico: “Colocaram meu cérebro no crânio do Dr. Libério, meu assassino. Mas o meu cérebro prevaleceu e ficamos um homem dublo: Luciano Rodrigues e Dr. Libério Pontes” (Ortencio, 1975, p. 97).
Os livros Estórias de crimes e do detetive Waldir Lopes (1981) , O enigma do saco azul, 1985, João-do-fogo (infantojuvenil) (1996), João-do-Fogo e Pimentinha-Detetives (infantojuvenil) (1997), O Homem que não teimava (1998) – (esse manifesta influência da obra); O Homem que calculava, aventuras de um singular calculista persa é um livro de Matemática recreativa e um romance infantojuvenil do fictício escritor Malba Tahan (heterônimo do professor brasileiro Júlio César de Mello e Souza), que narra as aventuras e proezas matemáticas do calculista persa Beremiz Samir, na Bagdá; Estórias de muitas Estórias (romance oriental) (1996), ainda sob a égide de Malba Tahan ; Caminho da Liberdade, 2001, Ingênuo, nem tanto (2007), João-do-Fogo (O pequeno herói ecologista) (2009), Cartilha ao pré-escritor (Você gostaria de escrever um livro?), (2009), Deus fez tudo certo – Livro semiparadidático (2019) são obras infantojuvenis que tiveram uma excelente crítica da recepção, pois não apenas foram bem avaliados pelo público jovem ou especialistas, como foram publicados por editoras como a Ática e Saraiva e distribuídos por todo o país.
A obra A Fronteira (A Revolução Constitucionalista de 32 e Minha Vida de Menino) 2005, segue essa linha também e traz um conteúdo memorialístico:
Neste livro de memórias nos preocupamos em mostrar, com algumas pinceladas corridas, a revolução de 1930, o mando dos Coronéis (títulos adquiridos por compra da Guarda Nacional). Um “coronel” era feito, aliás, era imposto, também, pelo dinheiro e pelo prestígio, pela capacidade de votos nas eleições. Essa revolução acabou apenas em parte com o mando prepotente dos “coronéis”. O coronelismo somente teve fim com a revolução de 1932” (Ortencio, 2025, p. 5)
O livro de contos Meu Tio-Avô e o Diabo (1993) foi indicado para os vestibulares de 1998, pela UFG e UCG e em 27 faculdades e em todos os colégios do 2º grau de Goiás e teve muita recepção. Esta obra possui dezessete contos que narram uma bagagem de histórias que mesclam realidade e ficção e oscilam entre o fantástico e surreal:
essa história de diabo já não pega. Ninguém acredita no inverossímil. Todos nós somos uns pobres diabos. Há muito que o diabo não é feio como se pinta. Não é mais o rei das trevas, nem mais majestade. As crianças não sabem quem ele é e os adultos já não lhe dão crédito. Diabo hoje é apenas interjeição. (Ortencio, 1993, p. 23)
[…] Essa minha vó morava numa vargem, uma vereda de buritis, das muitas que têm em Minas Gerais […] Aquilo era um ermo e esse ermo – Crô, a fazendola dela, que dali não saía nem para ouvir missa no povoado […]E foi numa noite de sexta-feira de agosto, graças a Deus que não era 13, que meu tio-avô chegava na tapera da irmã Maria da Vargem. O trilheiro era vindo por cima, beirando o curral, todo madeirame carcomido e fora do lugar, que a velha não tinha forças nem interesse em arrumar. Era um terreno pedregoso, infestado de juá-brabo, vassourinha e fedegoso, dentro e fora do curral, que antigamente era macio, forrado de estrume dos muitos e variados animais, mas que depois os caprinos não faziam volume nenhum com suas bolotinhas poucas. […] Aí meu tio-avô olhou pros pés do homem e viu que eram pés de bode, igual os lá do curral, e o homem não outro, senão o sujo, o diabo em pessoa. (Ortencio, 1993, p. 27).
Em “O Lu(g)ar dos Sertões”, Gilberto Mendonça Teles expõe que: A palavra sertão tem servido, em Portugal e no Brasil, para designar o “incerto”, o “desconhecido”, o “longínquo”, o “interior”, o “inculto” (terras não cultivadas e de gente grosseira), numa perspectiva de oposição ao ponto de vista do observador, que se vê sempre no “certo”, no “conhecido”, no “próximo”, no “litoral”, no “culto”, isto é, num lugar privilegiado – na “civilização”. […]
Tem-se, portanto, o “sertão de Canudos” – o sertão da Bahia –, o mais bem descrito no livro; e os “sertões” que estão além, na vasta região que abrange o fundo de todos os estados do Nordeste. E, relacionado com esses “sertões”, o de Minas Gerais, de Goiás e Tocantins, do Mato Grosso e do Pará, pelo menos. Estes são os sertões geográficos e horizontais que se juntam no grande espaço brasileiro, com todos os problemas humanos e sociais, como o dos latifúndios em face do movimento dos sem-terra, como o da anemia e da fome, da saúde e da falta de escola e lazer, verdadeiro purgatório do homem brasileiro. Mas há o outro “sertão”, o vertical, das lendas e mitos, dos casos e anedotas, o do messianismo, fácil de assimilar outros mitos, como o do Sebastianismo que aparece no já mencionado romance de Ariano Suassuna. É o sertão das “horas abertas”, do luar e das fantasmagorias, das assombrações, das superstições, enfim, o sertão do imaginário. […] E, por outro, é o lugar da mais autêntica matéria da literatura brasileira: a dos bons regionalistas, como o do goiano Hugo de Carvalho Ramos em Tropas e boiadas (1917), onde se fala dos “sertões ainda por violar”: ou no monumental Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa, em que as definições do termo adquirem as mais ousadas concepções, de metafísica e de linguagem, como, dentre outras, as que procuram configurar o lugar do sertão, como estas que fui colhendo ao longo desse grande livro – “O sertão está em toda parte”, “sertão é onde manda quem é forte”, “Sertão. O senhor sabe: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar”, “O sertão é do tamanho do mundo”, “O senhor vê aonde é o sertão? Beira dele, meio dele?…” “O sertão não tem janelas nem portas”, e tantas mais. (Teles, Contramargem II, (2009, p.111).
Em Bariani Ortencio, o sertão é esse lugar “incerto”, o “desconhecido”, o “longínquo”, o “interior”, ermo, cheio de lendas e histórias fantásticas dominam os imaginários e imaginação das pessoas que possuem conexão com a natureza que vivem. Os habitantes são o próprio espaço marcado por superstições e mitos locais, nunca esquecidos e sempre recuperados pela fantástica memória daquelas pessoas, aparentemente sofridos, mas fortes, valentes e, sobretudo, sobreviventes. O diabo é um dessas figuras da imaginação popular que transita entre o real e o mítico.
O filósofo e antropólogo Gilbert Durand, afirma que o imaginário é o “conjunto das imagens e relações de imagens que constituem o capital pensado pelo homo sapiens” (Durand, 1997, p. 18). Nesse sentido, o imaginário é o denominador fundamental para onde se convergem “todas as criações do pensamento” (DURAND, 1997, p. 18). Isso é, o imaginário humano constitui o conector inevitável pelo qual se forma qualquer representação humana, pelo fato de ele instituir, a priori, um “domínio do espírito sobre o mundo”, sendo que, mediante as configurações do imaginário é possível (re)constituir “livremente e imediatamente em cada instante o horizonte e a esperança do Ser na sua perenidade.” (DURAND, 1997; p. 433). Assim, os sertanejos traduziam o mundo deles, suas crenças e crendices que estavam na memória coletiva.
Com a série Crônicas & Outras Histórias (participação) jornal O Popular, Bariani lançou vários livros de crônicas: 2005 – Crônicas (2005) (lidas na Rádio Clube de Goiânia – 1949 e 1956 e jornal O Popular, 1991- 2005, são ao todo 66 crônicas. Nesses textos Bariani traça um painel da história, as relações culturais, o cotidiano de Goiânia e de Goiás e plural da década de 1940. São, portanto, retratos da jovem capital, Goiânia, que como já foi dito, eram lidas na Rádio Clube de Goiânia. Narravam os eventos sociais, religiosos, esportivos e fatos pitorescos da jovem cidade e das regiões circunvizinhas.
Aqui, em Goiânia, as pessoas são diferentes: conhecem as praias de mil e duzentos, dois mil quilômetros de distância, onde está misturas toda a classe de gente e desconhecem aquele lençol de águas azuis, que ainda oferecem mais vantagens do que as salgadas, por serem doces e estão a menos de um quilômetro. E é raro o domingo ou feriado que vamos ao ‘Lago’ e não damos com um turista batendo chapas fotográficas do pitoresco e esquecido recanto, de bela piscina em forma do mapa do Estado de Goiás e cercada por artístico jardim e caramanchões bordados, em todas as cores, com flores regionais. (Ortencio, 2025, p. 80).
Bariani descreve o dia a dia com graça e leveza: “Os gatos da cidade”, “O caçador de gambá”, “Óleo para as Lâmpadas da China”, “Precisam de quatro para agarrar um homem”, “Os atores de rua”, “O baile do algodão”, “União popular pó força e luz de Goiânia”, “Lenda árabe”, “As chuvas chegarão?”, “A moda de Paris”, “Cena de rua”, “Far-west em campinas”, “O caso do cafezinho”, ‘O erro de uma reportagem”, “O Lago das rosas”, (Lugar tão bonito que “um goianiense, fora do Estado, vir uma fotografia do local certamente perguntará: “Que lugar maravilhoso é esse! Onde fica, hein? (p. 2005) p. 43); “O nosso jardim zoológico” (p. 43). Informa que: “o ônibus passa a duzentos metros dali e nada é mais interessante que fazer esse percurso a pé.” E continua: “uma vereda vai até a mata artificial. As mais belas flores são cultivadas e em quantidade abundante. E quem nos dera um dia de acharmos perdidos numa floresta cujas árvores são roseiras comuns e das mais raras, ou lírios que representam a paz das flores ou, ainda, dálias gigantescas que dão vida aos canteiros.” E como é de sua verve humorística, Bariani finaliza ironizando: “[…] Receio dos animais não pode ser, pois estão presos. E juro que lá no Jardim Zoológico estaremos mais seguros, pois andam tantas onças soltas por aqui fora…”.
E, ainda, “A lenda do beijo”, “A biblioteca pública”, “As festas do divino Pai Eterno” “Campanha da alfabetização”, “A terra das bicicletas” (p. 53), datada de 10 de julho de 1949, inicia-se com a afirmação:
Goiânia é a terra das bicicletas.” E justifica: “devido o nivelamento da cidade este veículo tornou-se o predileto de todos.” E continua sua descrição sobre o uso da bicicleta como o meio de transporte preferido da bela cidade de Goiânia de então. Afirma que: “nas paradas cívicas contamos centenas de estudantes-ciclistas desfilando.” E continua: “E quando cai a tarde sombria, nada é mais gostoso e aprazível que passear pelas largas e limpas avenidas da cidade. (Ortencio, 2005, 53).
O autor poeticamente discorre da liberdade que se sente ao pedalar pelas alamedas e ruas no início da história de Goiânia: “E como andorinhas nos céus das velhas cidades, as bicicletas se encardumam e deslizam-se pelas ruas e praças”. Continua: “São riscos luminosos de pequenos faróis que cortam o escuro das ruas mal-iluminadas”. O autor discorre, ainda, sobre a importância do meio de transporte para o trabalho. Comenta que durante o dia “pequenos veículos” são utilizados para a entrega de mercadorias, pelos garotos e lembra que todos os profissionais se utilizam da bicicleta como meio de transporte, na jovem Goiânia.
Entre as crônicas vale a pena conferir “Bolero de Ravel”, “O caso da formicida tatu”, “Do povo contra o povo”, “O bom e mau ladrão”, “O tronco”, “Primeira chuva”, “Estrela Dalva, (trazendo como referência Bernardo Élis e Gilberto Mendonça Teles, com seu terceiro livro de poemas, Estrela Dalva”) “O maior cantor das américas”, “Caetano Somma – vida e obra”, “Prato Goiano Recebe Prêmios” (sobre a criação do peixe na telha), “Nossos primeiros tempos em Goiânia”, “Peixes do Araguaia”, “Turismo na estrada de ferro”, “Relembrando Goiânia”, “Lembranças que são eternas”, “De bruxas inglesas e de mitos indígenas”, “Quota zero versus Fome zero”, “Precursores do disco goiano”, “Estádio Antônio Acioly”, “Correntes da sorte para homens casados”, “É tempo de academias”, “Vinte anos de luta cultural”. Em quase todas as crônicas assinava Macktub, palavra de origem árabe que significa “estava escrito” que já estava predestinado a acontecer. De acordo com várias informações “Maktub” é uma expressão que remete à ideia de um destino pré-ordenado, expressando a ideia de que eventos na vida não são coincidências, mas algo que já estava traçado.
A série de livros de crônicas continua com: Crônicas 2 (2007) coletânea de 70 textos que contam a história de Goiânia e Goiás, seguindo a mesma linha; Crônicas 3. Ed. PUC GO, 2010; e Crônicas 4 (2011). E ainda, História Documentada e Atualizada de Campinas – 1810-2010. (2011); Medicina Popular do Centro-Oeste (2012); Cartilha do Folclore Brasileiro 2013, e as várias edições da Cozinha Goiana (2013), (2014, 8ª. Ed) e Minhas Reminiscências – Memorial desde a fundação de Goiânia (2016).
Ao todo, praticamente, uma publicação por ano, além de outras antologias em colaboração. No entanto, observo que não existe fortuna crítica, apenas umas duas dissertações de mestrado. Isso significa que um autor tão plural, tão múltiplo, tão intenso, tão multi e interdisciplinar que atuou desde a matemática, comércio, música, história, biologia, sociologia, antropologia, folclore, fenomenologia do cerrado goiano e outras ciências e artes, necessita ser lido, e sua obra amplamente estudada em todas as esferas da educação, de forma especial dentro da pesquisa sobre a literatura produzida em Goiás.
Maria de Fátima Gonçalves Lima é doutora em Teoria Literária pela Unesp – São José do Rio Preto; pós-doutora pela PUC Rio de Janeiro; pós-doutora pela PUC São Paulo. Coordenadora do Programa– Mestrado em Letras PUC/Goiás, crítica literária, ensaísta e escritora de obras infantis. Membro da Academia Goiana de Letras (AGL), Cadeira n.º 5
Email: fatimma@terra.com.br
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