No livro O Minotauro, Monteiro Lobato diverte e instrui o leitor… com boa literatura
Marina Teixeira da Silva Canedo
Especial para o Jornal Opção
Afirmar que o livro “O Minotauro” (Ciranda Cultural, 176 páginas) é para crianças é uma meia verdade. Ele não só é dirigido às crianças como é extremamente próprio para adultos.
Pude comprovar isto quando, curiosa que fiquei, peguei de minha neta Rafaela esse conto fabular. Foi publicado pela primeira vez em 1939 por Monteiro Lobato (1882-1948). O autor é amplamente conhecido no Brasil e também no exterior e seu nome dispensa apresentações, pois descansa sobre os louros da magnificência de sua obra, atestada pela história da literatura brasileira.
Lobato conseguiu reunir nesse conto um feixe de atributos incontestáveis: conhecimento e domínio do idioma, fantasia, fatos e personagens históricos dentro de um contexto de realismo fantástico, mitologia grega, e uma trama muito bem elaborada, realizada de forma leve e instigante.
Numa linguagem clara e direta (o texto original foi mantido sem alterações) ele se faz entender sem despertar dúvidas.
A simpática senhora Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, personagem principal, é a líder da turma do Sítio do Picapau Amarelo, lugar de moradia dos personagens. Uma vovó esperta, ágil, inteligente e extremamente culta. Seus netos, Pedrinho e Narizinho Encerrabodes de Oliveira, a veneram. Também não é para menos, ela sabe tudo! Leu muito, freneticamente, e tem ótima memória.
A história começa com o fim de uma festa de casamento, realizada no Sítio do Picapau Amarelo, devido ao ataque de monstros da fábula, quando Tia Nastácia, a cozinheira, desaparece.
Inconformados com seu desaparecimento, Dona Benta, Pedrinho, Narizinho, a ex-boneca Emília, o Visconde de Sabugosa e o Marquês de Rabicó partem em busca de Tia Nastácia — e vão parar na Grécia Antiga.
Tudo é possível para esta turma, pois eles detêm um iate, O Beija-Flor das Ondas, que singrou os mares até chegar à Grécia, e um pó mágico que os transporta para outros lugares e tempos num piscar de olhos — o pirlimpimpim. Sua viagem no tempo é mais ou menos contemporânea da de H. G. Wells, escritor britânico, e antecede Stephen King, escritor estadunidense.
Com sua chegada à Grécia um novo mundo se descortina. Aportam no quarto século antes de Cristo, no chamado Século de Péricles, o século de ouro da Grécia. Ficam extasiados com a arte grega. Vão conhecendo e se relacionando com personagens históricos, como o estratego Péricles, o escultor Fídias, o filósofo Sócrates e o dramaturgo Sófocles.
Uma maravilhosa fusão entre fantasia e história proporciona a descrição de lugares, de obras de arte, de grandes nomes da história da filosofia e das artes, pela voz de Dona Benta.
A cidade de Atenas, com o Partenon e esculturas famosas, que permaneceram através do tempo, e outras não, tudo é descrito pela prodigiosa velhinha.
Dona Benta é um repositório da cultura universal, uma verdadeira enciclopédia ambulante. Ela conhece todo o percurso helênico através do tempo e cita fatos e datas com a rapidez de um relâmpago.
A história da Grécia vai desfilando aos olhos dos leitores, de uma maneira didática e agradável. Os altos papos de Dona Benta com Péricles, Sócrates e Sófocles oferecem uma noção de quem são esses personagens, dentro de um panorama histórico, filosófico e dramatúrgico.
A fábula termina com o encontro de Tia Nastácia no labirinto de Minos, rei da ilha de Creta, fazendo deliciosos bolinhos, com o que conseguiu conquistar o feroz Minotauro, corpo de homem e cabeça de touro, e que se alimentava de humanos — era um monstro antropófago.
Em um conto fabúlico tudo é possível, até o encontro dos simpáticos moradores do Picapau Amarelo com os personagens da mitologia grega. Nessa história fabular acontece o impensável: Pedrinho e Emília sobem o inexpugnável Monte Olimpo, na Tessália, o mais alto da Grécia, desvendam a vida dos deuses e provam do alimento sagrado, espertamente roubado por Pedrinho: a ambrosia e o néctar divinos. Foram os únicos personagens da literatura a realizar tal façanha. O poder criacionista de Lobato é um grande rival a competir com os mitos gregos.
Monteiro Lobato fez, na literatura brasileira, o que Esopo (VI séc. a.C.) fez na Grécia Antiga. Esopo iniciou, no Ocidente, um gênero narrativo em que os animais falavam, cujo objetivo era proporcionar ensinamentos éticos. Mais tarde, no século XVII, o escritor e poeta francês La Fontaine (1621-1695), dedica-se a escrever fábulas, no formato de poemas, e a reescrever as de Esopo.
Os animais sempre possuíram significados profundos, que ficaram incrustados na psique humana através dos tempos, e que deram ao psicoterapeuta e psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961) farto material de estudos. Cada bicho está relacionado a uma característica humana, devido às similaridades entre as duas espécies, e isto foi utilizado nas fábulas. A importância dos animais na cultura universal é tão grande que, na mitologia, os gregos criaram seres híbridos, a fusão entre homens e animais, tendo gerado o Minotauro, os Centauros, os Sátiros, as Sereias e as Górgonas.
Monteiro Lobato reinventa a fábula, dando a ela um caráter tipicamente nacional, utilizando as figuras folclóricas brasileiras e criando personagens saídos de sua capacidade imaginativa. Insere os protagonistas no contexto da cultura brasileira: o sítio, as relações de trabalho, as comidas típicas nacionais, o linguajar.
Mas ele vai além, e estabelece uma intertextualidade com a cultura clássica: junta, no conto “O Minotauro”, sua própria mitologia à mitologia e à cultura gregas. É o fantástico mundo das metamorfoses mitológicas, tão bem descrito por Ovídio, que se alia às metamorfoses lobatianas, em que uma espiga de milho é transformada em um Visconde de Sabugosa, uma boneca de pano em uma menina e um porco no Marquês de Rabicó. Acrescente-se a isto o humor refinado e uma contística capaz de encantar um público heterogêneo, que vai de crianças a adultos.
A literatura infantil, do grande escritor Monteiro Lobato, ultrapassa os objetivos e os limites das tradicionais fábulas, dando a elas conteúdos mais complexos, novos formatos, enriquecidos com profusão de personagens, muito humor, e acrescidas de temática histórica, seja esta retirada da História Universal, do Folclore, ou de Contos de Fadas.
Enfim, espero que a neta Rafaela goste tanto desse livro quanto eu gostei.
Marina Teixeira da Silva Canedo, crítica literária, é colaboradora do Jornal Opção.
O post No livro O Minotauro, Monteiro Lobato diverte e instrui o leitor… com boa literatura apareceu primeiro em Jornal Opção.