Democracia venceu porque o país não tem mais medo de enviar generais golpistas pra cadeia
Arthur da Costa e Silva, general limitado, só se tornou presidente da República porque, diria o capitão Jair Bolsonaro, o presidente-general Castello Branco deu uma “fraquejada”.
Em 1978, esperando que o presidente-general Ernesto Geisel, repetindo Castello Branco, desse uma “fraquejada”, o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentou um golpe de Estado (leia no Jornal Opção: https://tinyurl.com/5xw94nxt).
O golpe foi abortado pela capacidade tático-estratégica de Ernesto Geisel, que soube desmontar a armação do grupo de Sylvio Frota. O ministro do Exército — a quem Augusto Heleno serviu no gabinete — foi exonerado.
Quarenta anos depois do fim da ditadura, os ministros do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Flávio Dino não fraquejaram. Só Luiz Fux fraquejou.
A primeira turma do STF decidiu que não devia fraquejar e condenou à prisão o capitão Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente da República, o almirante Almir Garnier Santos, os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto, o tenente-coronel Mauro Cid e os policiais federais Alexandre Rodrigues Ramagem (deputado federal pelo PL) e Anderson Gustavo Torres.
Por ter ajudado a desvendar a estrutura do golpismo patrocinado por Jair Bolsonaro, Mauro Cid pegou uma pena mais leve. O que é um acerto do Supremo. Sem a delação de Mauro Cid, a Polícia Federal, a Procuradoria da República e o STF teriam levado mais tempo para destrinchar o caso.
O general Mário Fernandes, outros militares e civis golpistas serão julgados (alguns já foram) e, a maioria deles, deverão ser condenados.
Condenar generais golpistas à prisão não é para qualquer um. É preciso ter, além de competência, muita coragem. Virtude que sobra em Alexandre de Moraes (o homem-verbo), Cármen Lúcia (sua ironia, de uma elegância fina, é insuperável), Cristiano Zanin e Flávio Dino. Faltou a Luiz Fux? Não se sabe o que realmente aconteceu com o ministro que acabou por apresentar uma defesa “eficiente” de Jair Bolsonaro e de alguns dos aliados do ex-presidente. Há quem postule que a “defesa” de Fux supera, à larga, à patrocinada pelos advogados contratados pelo capitão.
A condenação dos militares golpistas — a rigor, nunca disfarçaram a paixão pela ditadura e a ira contra a democracia — mostrou que, se há algo que funciona o Brasil, trata-se do STF. Acrescentando que a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República fizeram um trabalho exemplar.
Na semana passada, com a vitória da democracia, que pôr para fora do jogo golpistas pró-ditadura, “nasceu”, por assim dizer, um fato histórico. O Brasil não tem mais medo de julgar, condenar e mandar para a cadeia aqueles que conspiram para “matar” a democracia.
Estados Unidos, Donald Trump e rodapé da história
Qual será o lugar do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e do ex-presidente Jair Bolsonaro na história americana, brasileira e global? Por certo, os dois não ganharão as páginas centrais da história, e sim um espaço “generoso” nos seus rodapés.
Ah, dirá a turma da direita não esclarecida: “Donald Trump é um presidente forte”. Talvez seja. Mas tendo a concluir que não é tão forte assim. A força advém, não dele, e sim da Presidência e da superioridade da economia do país de Joyce Carol Oates e William Faulkner.
Donald Trump fala num terceiro mandato, o que contraria a Constituição americana — sim, de 1776, com o acréscimo de emendas. A Suprema Corte americana, guardiã da Constituição, por assim dizer, afigura-se, neste momento, numa espécie de agachamento ideológico.
A ideologia da direita contaminou a Suprema Corte dos Estados Unidos. O Congresso mostra-se subserviente, como pouco se viu fora dos tempos de guerra. Mas um terceiro mandato para Donald Trump é, quem sabe, uma impossibilidade, ao menos do ponto de vista legal. (Se mudar a lei e puder ser candidato, então, quem sabe, poderá enfrentar Barack Obama, um peso-pesado do Partido Democrata. Afinal, a lei é para todos.)
O mais provável é que Donald Trump dirá, bem adiante, algo do tipo: “Como não me deixaram ser candidato mais uma vez, please, votem em James David Vance”.
Aos 41 anos, J. D. Vance é tão “aloprado” quanto Donald Trump? Talvez um pouco mais. Porque o presidente, dada sua experiência, às vezes recua. O vice, se for presidente, não se sabe.
Por que Donald Trump fala “grosso” contra o Brasil de Lula da Silva e “pia fino” contra a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping?
Diferentemente da Rússia e da China, o Brasil é uma democracia. Então, o que Donald Trump diz a respeito à terra de Lula da Silva e Jair Bolsonaro repercute, ou seja, é ampliado pela oposição. Nas nações de Púchkin e Mo Yan, o que o presidente americano diz alcança escassa repercussão. Porque os dois países são ditaduras.
A brigar contra o Brasil e o presidente Lula da Silva, do PT, Donald Trump está pensando exclusivamente em Jair Bolsonaro?
Dadas as palavras de Donald Trump, sempre candentes e destemperadas — mais de líder de torcida do que de estadista —, o ex-dirigente do país de Adélia Prado está mesmo no seu radar.
Quando olha Jair Bolsonaro, o golpista condenado à prisão, Donald Trump se vê. A democracia americana — tradicionalmente sólida — o acossa, de alguma maneira. Aos 79 anos, resta-lhe pouco tempo de vida útil na política. Se seu sucessor for um democrata menos ponderado do que Joe Biden, o republicano poderá terminar seus dias no xilindró? Não, quem sabe. Mas poderá enfrentar problemas, por isso parece querer, mas não tem idade, se tornar uma espécie de Putin da América.
China de Xi Jinping é o calo no sapato dos americanos
Avaliações sugerem que Donald Trump é “maluco”. Não é. É um personagem — quase literário — central do establishment do capitalismo americano. Como tal, sua missão não é proteger Jair Bolsonaro, e sim impedir que os Estados Unidos sejam superados, em termos de economia, pela China.
A economia dos Estados Unidos é dinâmica, ancorada por tecnologias altamente modernas, e dificilmente será superada nos próximos 10 anos. Mas a China vem se aproximando e já é uma potência tecnológica. Portanto, nos próximos 20 anos — talvez 50 anos —, poderá ultrapassar a americana. Não será fácil.
Potências dominantes, assinala o professor da Harvard Graham Allison, não aceitam perder a hegemonia. Então, o que se assiste, neste momento, é uma guerra econômica — geopolítica, a rigor — entre os Estados Unidos e a China.
A possibilidade de a guerra econômica (e política) se tornar uma guerra armada não é remota. Não é o que a China quer, ao menos na circunstância. Mas, como vem ocupando espaço na economia de vários países, como o Brasil — que são estratégicos para os Estados Unidos —, há sinais de que uma batalha se avizinha. Os sinais de “fumaça” são cada vez mais fortes.
O Brasil, Lula da Silva, Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes são “peões” do jogo político, econômico e guerreiro dos Estados Unidos e da China. Donald Trump talvez esteja usando Jair Bolsonaro para “agredir” — com tarifaço e palavras — o Brasil, mas não pelo Brasil em si, mas pela aliança do país com a China. É uma “agressão” indireta à China.
Só que, gerindo mal a relação dos Estados Unidos com o Brasil, Donald Trump jogará, cada vez mais, o país de Lula da Silva no colo da China. O que, a rigor, não é positivo nem para os Estados Unidos e nem para o Brasil (que está ficando dependente da nação asiática; por sinal, uma ditadura cruenta).
Urge concluir o artigo com mais uma citação ao Supremo Tribunal Federal e a Alexandre de Moraes. Donald Trump rugiu, balançando o velho big stick de Theodore Roosevelt, mas ninguém (exceto Luiz Fux), no STF, curvou-se às pressões.
Portanto, além de enfrentar os golpistas brasileiros — um ex-presidente e generais do Exército e um almirante da Marinha —, o STF de Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia disse um rotundo “não” ao presidente dos Estados Unidos. Donald Trump, com seus implantes dentários, ainda morde com relativa força, mas os magistrados brasileiros não se assustaram. Daí a condenação dos golpistas.
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