Punitivista Moro quer afrouxar para os assassinos de Marielle
Paulo Henrique ArantesA assunção do juiz federal Sérgio Moro ao cargo de ministro da Justiça e da Segurança Pública foi lida como uma tacada certeira do então presidente Jair Bolsonaro. Símbolo do combate à corrupção, Moro daria ao governo a face almejada de inimigo número 1 de corruptos e bandidos em geral. Rápido no gatilho, em 23 dias o ministro elaborou internamente no Ministério um projeto de lei anticrime. Ansiosos por uma política menos corrompida e por uma sociedade menos violenta, os simplistas aplaudiram. Os mais atentos – entre os quais advogados, juristas, sociólogos e especialistas em combate à criminalidade – enxergaram no pacote anticrime apresentado ao Congresso pelo ministro da Justiça de Bolsonaro uma peça juridicamente primária e, mais grave, um instrumento de afronta a direitos fundamentais.A relação Moro-Bolsonaro deu no que deu, e o hoje senador Moro está prestes a se tornar senador cassado. Antes, sempre com um discurso juvenil, tenta atrapalhar a busca aos mandantes do assassinato de Marielle Franco.O pacote Moro de endurecimento o penal, em 2019, praticamente dava permissão à polícia para matar, quando defendia uma ridícula “exclusão de ilicitude”. Antes, ilegalmente à frente da Lava Jato (sim, a operação deveria ser tarefa exclusiva do Ministério Público), o juiz parcial mantinha suspeitos presos até que delatassem. Hoje, ironiza de modo juvenil - como de resto costuma argumentar - o fato de comprovados envolvidos no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes serem estimulados a delatar.O papo é mais ou menos assim: “Estão vendo? Eles criticavam as delações na Lava Jato, mas agora adotam delações no caso Marielle”. O argumento pueril visa a atrapalhar, sim, o curso das investigações.O devido processo legal nunca foi o forte de Sérgio Moro, que em seu canhestro Projeto de Lei de 2019 mostrou desapreço pelas audiências de custódia, ignorando decisão do Conselho Nacional de Justiça que atestava a necessidade do procedimento.O pacote anticrime de Sérgio Moro era superficial. Por sorte sua aprovação no Legislativo deu-se após sensível desidratação.Segundo juristas, o texto original continha erros que não se admitiriam a um estagiário de Direito. Por exemplo, ao contrário do que pensa Moro, não existe presunção de legítima defesa, nem absolvição na violenta emoção. Violenta emoção é uma situação condenatória – condena-se a pessoa, todavia impõe-se a ela uma pena mais branda em razão de um estado anímico diferenciado, que não é o estado de um policial perseguindo um ladrão.O projeto anticrime de Moro apostava na violência. Especialistas afirmaram que, aprovado em sua forma original, a proposta aumentaria a massa carcerária, que já é uma das maiores do mundo.O que os penalistas sérios viram no amontoado anticrime do ex-juiz parcial foi a peça de um movimento orquestrado contra o princípio da presunção de inocência, a ser consolidado com a prisão do réu antes do trânsito em julgado do processo.Com essas palavras o professor José Eduardo Faria, titular de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP, viu, à época, o comportamento de Moro como propositor de leis: “Eu acho que o projeto do ministro Sérgio Moro tem um certo desequilíbrio, e nesse desequilíbrio ele é extremamente punitivista, trabalha dentro de uma linha que, de certo modo, foi aplicada nos Estados Unidos na época das políticas de tolerância zero”.Interessante constatar, agora, que Sérgio Moro está preocupado com as garantias aos responsáveis pelo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.