Apinhados no corredor do aeroporto
img src="https://cdn.brasil247.com/pb-b247gcp/swp/jtjeq9/media/20230817130852_75a4b40feacf0c76553f83a001ce97d44f970916517bb052e9a62296abcdf698.jpg" width="610" height="380" hspace="5" /
Artigo por Pedro Benedito Maciel Neto
br clear="all"
Meu tio Chico, um dos mais hábeis advogados com quem eu convivi, dizia: “advogado não fala. Advogado prova”, por isso, a história que vou compartilhar, que envolve o então prefeito de Campinas Jacó Bittar e o presidente Fernando Collor, pode ser comprovada e, se necessário, posso arrolar algumas testemunhas.Antes o contexto. O Brasil vivia sob a égide da jovem Constituição Cidadã de 1988 e o estado de São Paulo sob a orientação de sua constituição estadual de 1989, tudo era novo. Os prefeitos eleitos em 1988 sequer sabiam como lidar com as novas cartas políticas; além disso, em 1989 as eleições presidenciais encheram o país de esperança. Nos perguntávamos: será que as mudanças tão desejadas e impressas na carta política poderiam transformar-se em realidade? Infelizmente venceu a velha política, representada por Collor.Enquanto o jovem presidente se acomodava no Planalto, passeava de motocicleta, de jet-ski e fazia outras trapalhadas nada republicanas ao lado do enigmático PC Farias – o que foi copiado décadas depois por Bolsonaro -, Campinas iniciava os debates para elaboração da Lei Orgânica (o atual presidente da Câmara, Luiz Carlos Rossini estava lá).Não bastasse toda essa movimentação institucional, o Jacó vivia às turras com a direção do PT em Campinas. A direção do PT em Campinas buscava interferir grandemente na administração municipal e transformar o prefeito em mero fantoche, ou como dizia o Jacó: “querem fazer da administração uma extensão do partido, isso está errado; o prefeito deve cumprir uma função tática, já o partido e os vereadores é que devem cumprir a função estratégia e fazer o debate ideológico com a sociedade” e completava, “sou prefeito de Campinas e não do PT”.Quem conheceu Jacó Bittar sabe bem que não havia nenhuma possibilidade de ele concordar com algum tipo de tutela, e ele alertou: “eles não percebem que estão deixando de lado o seu dever de fazer o que cabe aos partidos políticos e aos dirigentes partidários: Política”.O PT local era influenciado pela corrente liderada pelo ex-deputado Renato Simões, então “um jovem sequioso e apressado”, cheio de certezas, mas sem experiência do processo político real, circunstância que, a meu juízo, fez com que Jacó e muitos petistas deixassem o partido em 1991, caminhando para o PSB de Arraes e para o PDT de Brizola. Mas essa é outra história que ainda vou contar. Merece que lembremos que Jacó foi desrespeitado pelo PT local naqueles anos, foi ignorado seu histórico de lutas e sua atuação incansável em defesa da democracia e pelas transformações sociais no Brasil, mas cada um que durma, ou não durma, com o peso da sua consciência.Vamos à história da visita propriamente. Jacó assumiu uma Campinas “quebrada”. A administração que o antecedeu legou um déficit de 82,4%, obras inacabadas, superfaturadas e “zero” centavo em caixa; em quatro anos Jacó reduziu o déficit para 26,8%, concluiu boa parte das obras, realizou outras tantas, além de repactuar contratos; ele não ficou reclamando e, mesmo com a imprensa local excessivamente critica a ele e ao PT, Jacó fez o que tinha que fazer, foi um bom zagueiro, afinal sabemos que “zagueiro tem que zagueirar e prefeito tem que prefeitar”, foi o que Jacó fez, ele prefeitou.De olho nas necessidades de Campinas, pouco tempo depois da posse de Collor, Jacó esteve em Brasília para uma reunião com o presidente, levou demandas da cidade e foi atendido em muitas delas. Gosto de citar os financiamentos que possibilitaram a construção dos “piscinões” na Orozimbo Maia e toda a urbanização da Norte-Sul.Tomar esses financiamentos exigia lei, que deveria ser aprovada pela câmara municipal, o que ocorreu com os votos contrários do PSDB, inclusive do então vereador Edvaldo Orsi. Uma curiosidade: o Dr. Edvaldo, apesar de ter votado contra o financiamento, quando prefeito inaugurou essas obras, com direito a solenidade e discurso, sem citar o nome do Jacó ou o seu voto.A ida do prefeito Jacó ao Planalto foi capa da Folha de São Paulo e de diversos outros “jornalões” de todo Brasil. E ele passou a ser mais duramente criticado ainda por mentes obtusas que viam no aperto de mão entre o prefeito e o presidente um ato de traição a Lula e ao PT; essas mesmas mentes o criticaram por manter relações republicanas com o então governador Orestes Quércia, relações que trouxeram para Campinas o VLT – Veículo Leve sobre Trilhos -; lembrando que o VLT foi, irresponsavelmente, desativado pelo governo que sucedeu Jacó; ou seja, Campinas não possui VLT porque o PSDB local “resolveu” não relacionar-se com o governo estadual do PMDB.Vamos em frente. Collor retribuiu a visita ao Jacó e veio a Campinas também para pedir alguma coisa, aliás, não há relações desinteressadas na política ou na vida (salvo as relações com nossos pais). Bem, Collor veio pedir que Jacó criasse um canal de diálogo com o então presidente da CUT Jair Meneguelli, ele queria evitar a greve geral que era organizada pela central.O presidente pousou em Viracopos e ao vê-lo parado na porta do avião, claramente posando para as fotos, eu pensei: “Putz! Acho que vou precisar de umas três eternidades para conseguir ser tão chic”; Collor estava com um terno bege, camisa tom forte de azul, gravata dourada e um sapato café.Vieram com ele ministros, generais e assessores, um monte de gente; do nosso lado, os secretários municipais e alguns assessores (Edison Cunha e eu – jacobinos raiz – estávamos lá) e o encontro ocorreu na sala VIP do aeroporto, a estrutura era precária e não havia nenhuma privacidade; Collor estava visivelmente incomodado, procurou com os olhos o general Zenildo Zoroastro de Lucena e, discretamente, deu a ordem para que fosse “desocupada” a sala.A ordem foi cumprida. O prefeito e o presidente ficaram a sós, enquanto todos os demais: ministros, generais, assessores, secretários municipais, permaneceram apinhados do lado de fora, num corredor estreito e sem ventilação. Edison e eu testemunhamos o constrangimento de “gente importante”, como o ministro da Justiça Bernardo Cabral e do General Zenildo, então Vice-Chefe do Estado Maior do Exército em Brasília.A conversa entre eles durou pouco mais de trinta minutos, ficou na minha memória foi o mal-estar dos ministros amontoados no corredor de um aeroporto depauperado. Eles, tão acostumados ao luxo e à bajulação dos seus gabinetes com carpete, cadeiras de couro e ar-condicionado, tiveram seu momento de “mundo real”. Talvez o Luiz Granzotto tenha registrado o momento.