O que a luta de classes uniu, Gregório Duvivier não separa
Um dos principais nomes do humor branco e "leblonino" brasileiro, Gregório Duvivier meteu o pé na porta dos fundos e decidiu entrar com tudo na questão envolvendo a escolha do nome que sucederá a ministra Rosa Weber no STF. Ao instar o presidente Lula a escolher uma mulher negra para ocupar o cargo, o que, na minha humilde opinião, já deveria ter sido colocado em pauta por Lula, ele erra em alguns argumentos, mas acerta em todos os propósitos. Um governo que se elegeu sob a bandeira da promoção da diversidade, e que fez essa diversidade subir a rampa no dia da posse, personificada nos corpos de pessoas que representam a pluralidade racial, social e de gênero existentes no Brasil, tem por dever moral demonstrar na prática que a sua ideologia não é apenas para identitário ver.Falando em identitarismo, há quem responsabilize tal conceito pela exigência feita por Duvivier à Lula. Mas de qual movimento identitário estamos falando? Daquele oriundo de grupos sociais que compartilham aspectos da sua identidade, seja racial, social ou de gênero, e lutam pelos interesses relacionados a eles? Ou daquele surgido no Pós Guerra e que mais tarde foi usado por pensadores neoliberais para desafiar o socialismo e expor uma suposta hipocrisia contida em seus discursos? No caso de Gregório, um pouco dos dois, eu diria.Ao criticar o conservadorismo de Cristiano Zanin, primeiro indicado de Lula ao STF no atual governo, nos seus primeiros votos como ministro da suprema corte, e praticamente criar uma campanha para a escolha de uma mulher preta como a próxima indicação, Duvivier encarna a antiga URSS do início da Guerra Fria, que, segundo alguns analistas de política, quis denunciar a hipocrisia dos EUA que, ao mesmo tempo em que adotava o discurso dos direitos humanos para sustentar uma ideia de mercado competitivo, mantinha os negros segregados, as mulheres sem direitos e os trabalhadores e os povos indígenas em condições precárias. Nesse ponto, Gregório acerta. Um governo inclusivo no discurso, deve promover tal inclusão em seus setores. Do contrário, verá a sua incoerência ser criticada por aliados e opositores, o que pode desestabilizar as suas próprias bases de apoio.Ainda que a esquerda brasileira tenha se aproximado ou se deixado influenciar por vieses identitários, a sua raiz tradicional ainda é a luta de classes. E só ela pode promover a queda da estrutura racista e classista da nossa sociedade. O resto é abraço na lagoa. O ativismo segmentado que os movimentos identitários acabam por promover, mais desune do que gera homogeneidade. Isto porque ele pode acabar buscando suprir a demanda ligada a uma essência individual, que aparentemente se expressa como defesa das liberdades individuais, mas que pode esconder em seu cerne um sentido neoliberal. Uma espécie de um pelo seu grupo e todos por ninguém. Porém, não me venham dizer que a luta antirracista é identitarismo. Depois de séculos de escravização e racialização aos quais fomos submetidos, ouvir isso é pior do que ouvir o Duvivier justificando a ausência de pretos no elenco do Porta dos Fundos, sugerindo que empresas privadas não têm obrigação de contratar pretos para os seus quadros. E olha que ele costuma ser bom de piadas, hein?Outra questão que a crítica de Gregório suscitou entre muitos ditos progressistas, foi a defesa da meritocracia como critério para a escolha do novo nome para o STF. A competência, numa sociedade racista, nunca é associada a alguém não branco. Logo, o nome de uma mulher negra, por mais capacitada e competente que ela seja, sempre será visto com desconfiança. Porém, em se tratando de um governo que defende a igualdade racial, a avaliação deveria ser diferente. E é óbvio que existem juristas negras capazes de ocupar o cargo. Critérios como confiança e decisão pessoal, também foram defendidos. Eu vi gente usando o exemplo do ex-ministro Joaquim Barbosa, para justificar a não escolha de uma mulher preta para o cargo. Como se qualquer preto ou preta que fosse nomeado, agiria como Barbosa agiu no caso do mensalão. Afinal, numa sociedade racista preto é tudo igual. E Gregório Duvivier, um potencial racista em desconstrução, aponta isso com muita inteligência e perspicácia em sua crítica.Dos nomes sugeridos por ele a Lula, eu tive a honra de entrevistar a promotora de justiça Lívia Vaz no programa Um Tom de resistência. Tenho a certeza de que ela seria uma ótima indicação. Assim como a juíza Adriana Cruz e a advogada Soraia Mendes. E tenho a certeza de que existem outros nomes de mulheres pretas capazes de assumir o cargo. Basta Lula querer, de fato, dar ao seu governo a cara do Brasil que subiu a rampa com ele no dia da posse. Alerto para a problemática do identitarismo nesse ponto e lembro como a escolha de Margareth Menezes para a pasta da cultura gerou burburinhos entre a branquitude esquerdista. Muitos torceram o nariz e contestaram a sua competência, apenas por se tratar de uma mulher preta. E Lula a bancou. Deveria fazer o mesmo com a sua próxima indicação ao STF.Se tanto falamos de um poder judiciário majoritariamente branco, influenciado pelo direito romano-germânico e que aplica sentenças mais rigorosas contra pretos e pobres, é fundamental que tenhamos mais representantes não brancos, não apenas no STF, mas em todas as outras esferas deste poder. Obviamente, que eu não falo de não brancos que pensam como Fernando feriado, Sérgio Camargo ou Hélio Lopes. Falo de não brancos conscientes da racialização estrutural aqui vigente desde 1500, e que ainda escraviza, exclui, discrimina, oprime e mata quem não se encaixa no padrão estrutural estabelecido. Pensa melhor, presidente Lula. Confiamos em você.