A conspiração existe, eu a vivi e é violenta, diz Bustani, o embaixador que arriscou tudo para impedir a invasão do Iraque
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Ex-chefe da Opaq, boicotado pelos EUA em preparação para a guerra no Iraque, hoje afirma que Washington perdeu seu domínio global. Assista na TV 247
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Por Leonardo Sobreira247 - Imagine estar à beira de uma bifurcação em uma floresta nebulosa e impenetrável, uma metáfora viva dos destinos que o mundo poderia ter tomado no início dos anos 2000. Nesse cruzamento crítico do tempo e da geopolítica, encontra-se José Mauricio Bustani, então diretor-geral da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). Uma decisão, um voto, e a história mudaria irrevogavelmente, não só para ele mas para milhões ao redor do mundo. Este é o relato de Bustani: um homem que, ao longo de sua carreira, se viu como o eixo sobre o qual o destino de nações poderia girar e enfrentou a dolorosa realidade de quão efêmera pode ser a influência de um único indivíduo nas engrenagens do poder global.Nos primeiros dias de seu mandato à frente da Opaq, Bustani tinha a clareza da missão que o esperava. "A crise do multilateralismo é ilustrada durante o meu período à frente da Opaq. É difícil segurar e fazer vingar", ele refletiria mais de uma década depois, em entrevista ao jornalista Joaquim de Carvalho, da TV 247. Ciente do olhar atento do mundo, Bustani estava plenamente focado em cumprir os objetivos que se propunha.Mas a atmosfera mudaria de forma repentina, e sombria. Logo, acusações vindas dos Estados Unidos começaram a ofuscar o cenário global: alegações de que o Iraque estaria empenhado em produzir armas de destruição em massa. Como diretor-geral da Opaq, Bustani não podia — e não iria — corroborar alegações sem evidências. "Houve um acordo de que eu devia sair da organização porque eu estava interferindo em planos que naquele momento ficaram muito nítidos: o que os americanos queriam fazer com o Oriente Médio e, em particular, com o Iraque," ele relembrou, citando as motivações financeiras do alto escalão de Washington.Os avisos, por vezes truculentos, vieram. Alguns deles eram discretos; outros, mais óbvios. "Me diziam que eu estava exagerando, que era um delírio. Mas não era".
"Alguns amigos me diziam que eu estava sofrendo de teoria da conspiração. Não. A conspiração existe, eu a vivi. A conspiração acontece e é violenta e te deixa sem chão", Bustani expressou mais tarde, com um misto de consternação e resignação.
Foi assim que, em 21 de abril de 2001, a pedido dos Estados Unidos, uma reunião especial foi realizada. Era uma votação destinada a selar o destino de Bustani. O resultado foi decisivo: 48 países apoiaram sua remoção, sete se opuseram, e 43 optaram pela abstenção. Bustani e os inspetores a ele subordinados não podiam simplesmente corroborar a fabricação americana de que o Iraque estava secretamente envolvido na produção de armas de destruição em massa.E quando o apoio era mais necessário, o próprio governo brasileiro falhou em sustentar seu embaixador. "O governo brasileiro não sustentou. Houve a percepção de que o Brasil ficando calado estava também apoiando a posição dos americanos", afirmou Bustani.
"Se eu não tivesse sido afastado, eu poderia ter evitado uma guerra", Bustani observa. "Uma grande tristeza. Foi por pouco. Evitar uma guerra inútil e destruidora e com consequências até hoje".
Após o boicote de sua gestão à frente da Opaq, Bustani continuaria a servir seu país como embaixador no Reino Unido e na França, vindo a se aposentar em 2015. Mas mesmo na aposentadoria há uma chama que ainda arde. "Hoje tenho um novo entusiasmo, a partir das iniciativas que estão acontecendo hoje no mundo, em grande parte por iniciativa do nosso governo e da política externa do presidente Lula", Bustani comenta. "Os Estados Unidos não têm mais o controle do mundo", ele avalia, uma nota de esperança ecoando em suas palavras.Desde os ataques de 11 de setembro de 2001, estima-se que pelo menos 4,5 milhões de pessoas morreram como consequência de guerras ilegais dos Estados Unidos no Oriente Médio, Norte da África e Ásia, de acordo com um relatório da Costs of War, projeto da Universidade Brown. Assista: