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«Campo Grande News»
Май
2023

Pelo telefone

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Pelo telefone, na quarta-feira, 26 de abril, o presidente Volodymyr Zelensky e o presidente Xi Jinping mantiveram uma conversa de aproximadamente 60 minutos que segue reverberando, crescentemente, desde então. Segundo ambos, a conversação foi longa, racional e significativa. Concretamente, a Ucrânia oficializou o envio de um embaixador para assumir funções oficiais em Pequim e a China enviou um diplomata para avançar tratativas plenipotenciárias em Kiev. Estrategicamente, o presidente Xi concedeu ao presidente ucraniano uma nova via de negociação. Simbolicamente, as cartas do conflito voltaram a ser baralhadas. Desde o início do conflito o presidente Xi simplesmente ignorava as investidas do presidente Zelensky. Foram dezenas de tentativas sem sucesso. Somente agora o mandatário da China se permitiu ouvir o responsável da Ucrânia e abrir alternativas ao verdadeiro redemoinho diplomático-militar que virou a areia movediça de todos os envolvidos. Com isso, tendências inovadoras começaram a surgir e movimentações antigas voltaram a emergir. A narrativa do “compromisso suportável” ao encontro de uma “paz possível” voltou a rondar os espíritos. Novos desenhos para o desfecho do conflito começaram a ser vislumbrados. Há um consenso entre os principais observadores que esse novo momento da tensão de Rússia versus Ucrânia, que se iniciou em 24 de fevereiro de 2022, representa um estratagema em múltiplas escalas. Há a dimensão imediata da alma russa versus a realidade russa como ponto de partida incontornável. Ninguém consegue obliterar que a reiteração da tentação da Grande Rússia, a Rússia Eterna, a Rússia de Sempre, jamais saiu do radar do presidente Putin. Outra dimensão envolve a tensão Rússia versus Ucrânia. Trata-se de um problema milenar, tornado complexo ao longo da história soviética e feito dramático após 1991. Adiante existe a inserção dessa tensão Rússia versus Ucrânia no contexto europeu. A verdadeira humilhação da Rússia após o período soviético foi, sim, instrumentalizada, fortemente, pelos Estados Unidos da América. Mas os sucessores do presidente Mikhail Gorbachev jamais minimizaram a russofobia de muitos europeus. Não é segredo para ninguém que, desde o início deste século XXI, agentes europeus participam ativamente na sedução de países outrora soviéticos para integrarem a ciranda das instituições europeias, norte-americanas e ocidentais. A presença de alianças transatlânticas capitaneadas pelos Estados Unidos da América representa outra escala de percepção incontestável. Estados Unidos com União Europeia e com Otan correspondem ao maior bloco, por um lado, de solidariedade à Ucrânia e, por outro lado, de forte oposição ao poderio russo. A tensão Leste-Oeste, inaugurada na Revolução Russa, nesse sentido, jamais se dissipou. Os Estados Unidos da América continuam agindo como a liderança inconteste do mundo livre e seguem considerando a Rússia como a liderança da oposição ao mundo livre, à democracia liberal e aos seguidores todos de Locke, Smith e Ricardo. A retórica da Rússia, por sua vez, indica que os euroasiáticos continuam guerreando contra “nazistas”, “capitalistas” e “ocidentais” que “infestam” e “molestam” a terra. A última e, talvez, mais importante dimensão desse jogo de escalas consiste, justamente, na disputa certeira pela hegemonia real do sistema e da ordem internacionais que vem, desde o início deste século XXI, sendo travada na tensão sino-norte-americana. Todas essas dimensões estão interagindo concomitantemente desde o início do conflito e foram mobilizadas incansavelmente nessa ligação de abril entre os presidentes ucraniano e chinês. Essa ligação ocorreu em momento oportuno e após as visitas de Estado do presidente francês e do presidente brasileiro à China ao longo do mês. O êxito, desta vez, do presidente ucraniano pode ser, em vastas medidas, creditado a essas visitas. As diplomacias francesa e brasileira, ao menos, reivindicam, ao seu modo, excedentes positivos dessa realização. Desde que o embaixador chinês Lu Shaye precisou abandonar, recentemente, o seu posto na França por questionar a natureza da soberania ucraniana e das demais nações emergidas após o colapso soviético, a presidência chinesa procura contemporizar certo mal-estar com o presidente francês. Observadores diplomáticos acreditam que o constrangimento chinês foi que permitiu ao presidente Macron “pressionar” o presidente Xi a atender aos reclamos do presidente ucraniano. Ao menos essa é a tese que advogam os partidários do irresistível leadership francês. A interferência do presidente Lula da Silva na movimentação dessas peças não deve, por sua vez, em nada ser minorada nem desconsiderada. Para além da respeitabilidade do brasileiro no interior do Brics, das alianças Sul-Sul e da retórica do Sul global, a sua voz é incrivelmente muito ouvida e muito considerada em Pequim, Moscou e Kiev. Lula da Silva (e o Brasil) talvez seja o único potencial mediador sem, verdadeiramente, parti pris a conseguir exercer influência sobre os envolvidos. Paris, Berlim, Londres, Bruxelas e Washington jamais reconhecerão isto. Mas, talvez, hoje em dia, nem precisem mesmo reconhecer seja lá o que seja. O mundo mudou… O jogo, também. Ao declarar, em sua recente passagem pelos países ibéricos, que Rússia nem Ucrânia possuem razão no conflito, o presidente brasileiro causou a “ira” – com e sem aspas – de europeus e norte-americanos (e de alguns brasileiros também). Mas angariou pontos positivos com russos, chineses e ucranianos. E por razão simples: o presidente Putin nem o presidente Zelenskyy desejam realmente continuar esse pandemônio. Esse conflito sem fim. Essa pasmaceira mundializada. O presidente Xi tem ciência de que o destino da hegemonia mundial depende, doravante, em grande medida, do desfecho dessa tensão. O Brasil está longe de portar excedentes de poder para interferir no processo. Mas o senso de oportunidade do presidente brasileiro permite à diplomacia brasileira dizer o que os líderes diretamente envolvidos no contencioso gostariam de dizer, mas não podem nem conseguem. Analisando de perto a situação, Rússia e China jogam paradas. As suas posições não foram oficialmente modificadas desde fevereiro de 2022. Os russos ainda desejam suplantar a ofensiva do “Ocidente”, querem “desnazificar” a Ucrânia, intentam reabilitar e desbaratar as reais e imponentes ameaças ao seu espaço vital. Os chineses preferem a “neutralidade” viciada e com parti pris. Ou seja, uma neutralidade inclinada ao encontro da Rússia. Autoridades russas e chinesas jamais deixaram de dialogar. O presidente Putin e o presidente Xi mantiveram, ao menos, dez interações oficiais e estratégicas nos últimos 14 meses. Seus projetos de cooperação avançam progressivamente e a construção de alternativas à hegemonia política, econômica, diplomática e moral do Ocidente, do dólar e dos preceitos ocidentais (de direitos humanos, por exemplo) se materializam dia após dia. Mesmo abrindo os ouvidos ao pour parler do presidente ucraniano, os chineses, vale redizer, não alteraram em nada a sua posição nem as suas agendas iniciais. Mas, como se diz, a política, a diplomacia, a negociação, a paz, a convivência e o amor são feitos de gestos. O gesto chinês diz muito e permite muitas interpretações. Mas, ao que tudo indica, a mais contundente, sutil e sensível repousa sobre o fato de que essa ligação nesse mês de abril acentuou a profundidade da crise epistemológica da compreensão dos problemas internacionais contemporâneos. Nada está garantido. Nada está consolidado. Nada está determinado. Nenhuma saída foi acordada. Mas se esse gesto conseguir acelerar a construção de um “compromisso suportável”, como sugere Jürgen Habermas, ao encontro de uma “paz possível”, como desejam os enamorados do realismo sem retoques, vai ser a primeira vez na história do sistema internacional moderno saído da Paz de Vestfália do século XVII que não europeus e não ocidentais vão solucionar problemas de europeus e ocidentais. A concretização disso vai acelerar a reconfiguração mental e moral do mundo e das relações de força entre os seus principais gladiadores. Tudo em função de um gesto. Um gesto pelo telefone. (*) Daniel Afonso da Silva é doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.











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