De volta aos nossos pais
Se existe um fenômeno que nos une é a experiência do nascimento. Todos nós, você e eu, assim como todos que você já conheceu ou irá conhecer um dia, chegamos a essa existência, a partir dos nossos pais. Zeca Veloso nos ensina, em uma de suas canções, que “todo homem precisa de uma mãe”. Mas é também verdade, que todo homem, e toda mulher, também precisa de um Pai. Apesar dessa importância, ainda hoje, o Brasil enfrenta uma preocupante realidade: quase 7% das crianças brasileiras não tem o nome dos seus pais, no registro e são marcadas por essa ausência, que se estende até a velhice. Em nosso dia a dia, também é comum ouvirmos histórias, parecidas com as nossas, que denunciam a dificuldade que os homens encontram para romper com as expetativas sociais que, ainda associam a paternidade à garantia da segurança e dos bens materiais de uma família. Dar afeto, compartilhar momentos e memórias, acolher os filhos com ternura não parecem fazer parte dos atributos “desejáveis” para o “homem de verdade” que, como os grandes super-heróis, vivem sós e às próprias voltas. Como eles, é comum que os homens silenciem o seu sofrimento, mascarando processos depressivos e de intensa dor, no distanciamento e rompimento afetivo com suas famílias e com tudo aquilo que remeta às criptonitas da nossa terra natal. Talvez por isso, o Dia dos Pais não receba o mesmo glamour que o Dia das Mães. E não estou apenas me referindo às vendas de presentes que aquecem, mais calorosamente, o feriado de maio. O distanciamento afetivo de nós, homens, contribui muito para o abismo entre nós e aqueles que amamos. Ainda bem, nos últimos anos, em todo mundo, os homens vêm descobrindo novas possibilidades de ser e conviver com suas famílias. Alguns pesquisadores vêm chamando esse fenômeno de “masculinidades positivas”, que rompe uma outra, chamada de tóxica. Esses pais vêm se arriscando a reinventar seus sentidos sobre a paternidade, criando relações mais afetivas e saudáveis. Contudo, para aqueles que não experienciaram memórias positivas com seus pais, O Dia dos Pais pode ser vivido com grande tristeza e sofrimento, sobretudo a partir das comparações, quase automáticas, que fazemos ao entrarmos nas redes sociais. Um misto de decepção e de saudade, e reconhecimento de dores que assombra, desde muito cedo. O Dia dos Pais também é marcado por saudades e por um sentimento que, de vez em quando, surge e derruba uma lágrima. Pais amados que, seguindo o rumo do misterioso rio da vida, partiram antes de nós, nos deixando o presente da vida e a tarefa de sermos nós mesmos e darmos continuidade à dança cósmica da existência. Talvez, algum dia, sem perceber, nos pegaremos surpresos ao vermos o quanto somos parecidos com eles: no jeito de conversar, de lidar com nossas emoções, de encararmos o mundo e, especialmente, de nos relacionarmos com nós mesmos. Que nesse mar de infinitas possibilidades de ser e de existir, e diante das múltiplas possibilidades de sermos pais e filhos, possamos abrir um espaço em memória e em nossos corações para os nossos pais, reconhecendo o presente da vida, suas qualidades, sua força, sua humanidade, mas também suas sombras, suas limitações e seus pedidos silenciosos de ajuda. Que possamos reconhecer o sofrimento masculino, e construirmos espaços educativos e de saúde que ensinem os meninos sobre responsabilidade afetiva, consigo e com os outros. E para aqueles que sofreram e ainda sofrem os efeitos do abandono parental, a confiança de que possamos encontrar, em nós mesmos, o acolhimento paterno, seja no abraço de um amigo, ou mesmo na escuta de um psicoterapeuta, nos tornando seguros para seguirmos nosso caminho, com nossos pais em nossos corações! Feliz Dia dos Pais!