Com jornada excessiva e burnout, saúde mental de policiais ainda é tabu
Jornada de trabalho excessiva, contato direto com a violência, falta de estrutura e insatisfação profissional são fatores que afetam a saúde mental dos policiais civis e militares em Mato Grosso do Sul, de acordo com profissionais que participaram do seminário de Qualidade de Vida na Segurança Pública, realizado na noite desta segunda-feira (4), em Campo Grande. Com altos índices de afastamento por transtornos pós traumáticos, depressão e até mesmo efeitos do burnout pós pandemia, o Estado ainda figura com a maior taxa de suicídios entre aqueles que trabalham com segurança. Uma das justificativas, segundo a tenente-coronel Kátia Souza Santos, é a diferença do trabalho prescrito durante a academia, e as situações enfrentadas no cotidiano. "A nossa profissão é complexa, exige esforço físico e mental pois nossa tarefa é interpretar uma cena e executar um plano de acordo com cada contexto". Kátia pontou que o primeiro passo para uma boa saúde mental é a busca por ajuda profissional. "Quando entramos em contradição, nós entramos em processo de sofrimento. Seja na vida pessoal ou profissional. Ter esse primeiro contato é essencial para uma recuperação breve e com redução de danos". Karô Castanha, psicanalista e consultora da Cassems (Caixa de Assistência dos Servidores de Mato Grosso do Sul) ressaltou que muitos dos policiais associam o tratamento mental ao enfraquecimento. "A abordagem policial inclui essa imagem de fortaleza, de força e masculinidade, e os servidoras acabam deixando de lado o que enfraquece. Existe uma problematização sobre saúde mental, que precisa ser mais abrangente a um público considerado essencial. Esses fatores variam desde a cobrança no trabalho, até a hierarquia, assédio e exposição. O trabalho de quem protege as ruas exige força, e os profissionais que estão na linha de frente acabam negligenciando esses fatores por medo". Em números, a morte de policiais por suicídio é a segunda causa que mais mata os servidores. Em 2022, foram registrados 173 assassinatos de policiais e 82 suicídios, segundo relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Já em 2023, o portal de estatísticas da Sejusp (Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública) registrou no Estado 80 casos de suicídio. Desses, 23 aconteceram na Capital; 57 em cidades do interior, sendo que 42 ocorreram na faixa da fronteira. Para a reportagem, o psiquiatra e professor José Carlos Rosa Pires de Souza disse que depressão e síndrome do pânico são os transtornos mais comuns para quem trabalha com segurança pública. Ele também relatou que existe subnotificação dos casos por conta da resistência. "Muitos recusam a prescrição de remédios por medo de efeitos colaterais, por exemplo. E é importante que todos entendam que não existem heróis de história em quadrinho aqui. Estamos em uma situação real onde está tudo bem buscar ajuda e se medicar. Temos essa cultura de iniciar um uso de um medicamento, começar a sentir efeitos e logo suspender o uso, o que acarreta em mais problemas". Por fim, Pires de Souza descreveu que muitos dos casos são genéticos, mas fatores do trabalho, como falta de reconhecimento e capacitação agravam a saúde mental dos profissionais. "A falta da resiliência ou estratégias de enfrentamento a violência também afetam a uma fatia dos policiais. E dar o primeiro passo para a melhora pode ser simples como aderir uma dieta sem nicotina e álcool, ou realizar ações que propagam saúde, como exercícios físicos, ter apoio na religião", concluiu. Ajuda - O GAV (Grupo Amor Vida) presta apoio emocional na prevenção do suicídio. Ligue sempre que precisar para o telefone 0800-750-5554, sendo a ligação gratuita.