Os “segredos” do Padre Nóbrega
As cartas do Padre Nóbrega sobre a chegada de Tomé de Souza e a fundação de Salvador têm a mesma relevância, equivalente, da carta de Pero Vaz de Caminha sobre o achamento, ou descobrimento do Brasil. São registros de testemunhas e protagonistas da história. Nóbrega foi o primeiro escriba e o mais fidedigno, daquele momento. A sua primeira carta foi escrita entre 31 de março e 15 de abril de 1549, no máximo duas semanas após o desembarque no Porto da Barra. Referindo-se aos nativos descreveu: “Estão espantados de ver a majestade com que entramos e estamos, e temem-nos muito o que também ajuda”. Vejo nessa frase a inspiração para o empolgado relato romanceado de Pedro Calmon, sobre a chegada, na sua História do Brasil.
O principal dos jesuítas contou terem achado, uma “maneira de Igreja”, referia-se à igreja da Graça e foi em casas, choupanas das imediações, que os padres montaram as suas primeiras habitações. E em 31 de março, no terceiro dia da chegada, celebraram uma missa, provavelmente a céu aberto, com a presença de nativos, a quem chamava de negros, e assim em todas as cartas, referência à pigmentação tropical da pele. “Vivem em pecado mortal e não há nenhum que deixe de ter muitas negras das quais estão cheias de filhos”, pontuou. E, sobre o culto, comentou: “Os negros, mui espantados de nossos ofícios divinos”.
O jesuíta contou ter ensinado em dois dias todo o ABC a um dos “príncipes”, seguramente algum cacique, que disse queria ser cristão e que não comeria mais carne humana, nem teria mais de uma mulher, mas iria às guerras e venderia os cativos, porque nesta terra “sempre tem guerras e se comem uns aos outros”. Em outra carta, detalha o que chamou de ódio cordial entre as tribos, descrevendo a matança dos inimigos de guerra. Eram aprisionados por um tempo, recebiam as filhas de quem os capturava “para que os sirvam e guardem”; se dessa convivência nascessem bebês, eram comidos. E a morte do prisioneiro era uma grande festa, com convidados: “os partem em pedaços e depois de moqueados os comem com a mesma solenidade”.
Nóbrega se ressentia da nudez dos índios, na primeira missiva confessou ter o desejo de doar as suas ceroulas (cuecas) para alguns deles, não o fez para não escandalizar os irmãos de Coimbra. Em relação às mulheres propunha que se enviassem camisas, provavelmente camisolas. E em quase todas as cartas há referências sobre as plantações de algodão da Bahia. Tinha fartura de matéria prima para confeccionar roupas, faltavam os teares e os tecelões. E se preocupava com a falta de mulheres para os recém-chegados, todos homens, na esquadra de Thomé de Souza: “Parece-me que vossa alteza “devia mandar algumas mulheres que por lá não têm pouco remédio de casamento, ainda que fossem erradas que aqui casarão... contanto que não tenham perdido a vergonha”.
Uma alternativa era o casamento com as “negras”, mas, aí a burocracia era grande. Deduzo dos comentários do Jesuíta. A índia tinha que ter permissão da família que deveria ser cristã e ela se batizar e seguir o cristianismo e não poderiam morar juntos, sem casar-se. Uma trabalheira. Melhor trazer as mulheres erradas que encurtava os processos, iam direto para o altar. Nobrega também sugeriu comprar escravos (índios), não tinha africanos ainda, para dar suporte à construção do colégio, para 200 estudantes: “Os escravos são cá baratos...cinco escravos que plantem mantimentos e pesquem com redes, com pouco se manterão e aqui tem algodoal para fazer roupa”.
As cartas de Nóbrega e de outros jesuítas permaneceram inéditas até 1843, quando foram publicadas as primeiras, outras daí por diante.