Cerimônia pela paz reúne líderes religiosos no Largo do Bonfim
Devotos acompanharam o ato ecumênico, que teve início às 10 horas
Mãe Nicinha de Nanã aprendeu desde cedo que cada religião tem o seu valor. Mesmo dentro da casa dos pais candomblecistas, às 18 horas era o momento em que a família se reunia para rezar a oração Ave Maria. Agora à frente do Terreiro de Olufanjá, em Tancredo Neves, a iyalorixá continua a pregar o respeito às diferenças. Mãe Nicinha esteve entre os representantes de diversas religiões que atenderam o pedido do padre Edson Menezes e participaram de uma cerimônia pela paz, no Largo do Bonfim, na sexta-feira (5).
Enquanto os inúmeros casos de violência parecem nos sufocar, a saída, para muitos, é se apegar na fé para manter a mente sã e o coração tranquilo. A atitude, diferente do que alguns pensam, não depende de religião, o que ficou evidente para quem subiu a Colina Sagrada pela manhã. O espaço recebeu diversos líderes religiosos que faziam um só pedido: paz.
O ato ecumênico reuniu líderes de diversas religiões (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) |
Às 10 horas da manhã, com dezenas de devotos já reunidos no Largo do Bonfim, o reitor da Basílica deu início à celebração ecumêmica que durou cerca de uma hora. Representantes das Igrejas Católica, Batista, Evangélica, além de líderes do Candomblé e do Islamismo, se manifestaram contra a violência e a discriminação. Emocionados, os fiéis acompanharam o ato compenetrados e aplaudiram cada fala em nome do respeito e da igualdade.
Durante o evento, o letreiro “Paz” foi instalado em frente à Basílica. O monumento chegou a fazer parte da paisagem em março de 2021, mas foi retirado do espaço. A obra então foi reformulada pelo artista plástico Thiago Vaz e conta com as tradicionais fitinhas do Senhor do Bonfim coladas em sua estrutura branca.
Fitinhas essas que foram retiradas do gradil da Igreja, o que dá um significado ainda mais especial. Afinal, apesar do segredo, todo mundo sabe que o pedido pela paz aparece entre os três que quem amarra o amuleto tem direito de fazer. Se o pedido pela paz parece ser algo subjetivo, há quem enxergue os caminhos para que se chegue até ela.
“Nós precisamos ter mais educação e respeito com os diferentes. Quando se tinha o respeito, também havia um pouco de temor, o que precisa ser retomado. Eu até hoje temo a Deus e os orixás porque aprendi que se obedecermos, tudo dá certo”, disse Mãe Nicinha de Nanã
Para o reitor da Basílica do Bonfim, padre Edson Menezes, conviver com outras religiões pacificamente é o pontapé para uma cultura de paz. “A religião precisa ser um instrumento de paz e aquilo que contribui para que as pessoas se aproximem. Precisamos ser pontes e não muros. essa celebração é um testemunho de que podemos conviver juntos pacificamente”, pontuou.
Devotos do Senhor do Bonfim acompanharam a celebração (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) |
A aposentada Geralda Fernandes, de 77 anos, sai de Brotas em direção à Colina Sagrada todas as sextas-feiras, religiosamente, há 14 anos. A devoção é tanta, que é como se uma força sobrenatural ficasse encarregada de chamá-la para fazer pedidos e agradecer as bênçãos do Senhor do Bonfim.
“A religião dos outros é a nossa porque Deus é um só para todas. Todos somos irmãos para pedir mais paz nesse momento de tanta violência que vivemos”, disse.
Para quem viu de perto a guerra, o pedido de paz é feito com um gosto diferente. A artista ucraniana Anastasiia Syvash, 35, vive com o marido soteropolitano há três anos em Salvador. A mudança, que foi uma escolha para ela, acabou sendo uma obrigação para a sua mãe, de 65 anos. Três dias antes da Rússia invadir seu país de origem, em fevereiro do ano passado, Anastasiia esteve na Ucrânia para buscá-la, por segurança.
“Todo mundo hoje fala que nós precisamos buscar a paz, mas, pelo exemplo do meu povo, nós precisamos lutar pela paz e não só esperar. Se não lutarmos, o mundo nunca terá paz de verdade”, afirmou. Uma obra de arte feita por Anastasiia em parceria com o artista André Fernandes, foi instalada ao lado do letreiro Paz. A escultura representa uma Mótanka, boneca-amuleto tradicional da Ucrânia, que representa a figura feminina e simboliza a continuidade da vida.
A artista ucraniana Anastasiia (esquerda) ao lado da ativista Volha Franco (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) |
*Com orientação de Perla Ribeiro.