Até o fim
O título desse texto é sim, uma alusão à música do Engenheiros do Hawaii. “Mas que pieguice do caralho”, você pode dizer, e eu não vou discordar. Mas assim como diz a letra, especialmente batida em situações que pedem uma postura de resiliência e volta por cima, o Tottenham não veio até aqui – uma semifinal de Champions League – pra desistir agora. Ninguém é imbecil a ponto de nos apontar como favoritos após perder o duelo de ida dentro de casa por 1 a 0 e tendo que encarar um time embalado e cheio de talentos individuais como o Ajax.
Mas temos um jogo a disputar e se tem algo que se pode pedir desses jogadores dos Spurs é que eles tentem. Não vou falar em quanto esses caras seriam idolatrados até o fim de suas vidas em caso de título, porque convenhamos, a própria ida à final está distante. Porém, alguns indícios no jogo de ida mantém acesa a fagulha de esperança que nós torcedores – otários que somos – precisamos para nos iludir. Aquela bola na trave de David Neres, que sacramentaria um 0-2 no jogo de ida é um deles. Se por ventura conseguirmos a façanha de vencer na Holanda e se o universo resolver conspirar a favor – só pra variar – nos levando à Madrid, muitos se lembrarão daquela bendita trave.
Um bom exemplo é o acontecido na outra semifinal da Champions, em que a chance desperdiçada por Dembele no Camp Nou foi exaustivamente rememorada após o Liverpool sapecar um maravilhoso 4×0 em Anfield, devolvendo com juros e classificação o revés por três gols da semana anterior. Convenhamos que nossa missão é bem mais simples do que os Reds alcançaram, por dois motivos: do outro lado não tem o Messi e nós não precisamos marcar 3 gols para forçar uma prorrogação. Umzinho basta, desde que não soframos nenhum e tenhamos um Lloris inspirado nos pênaltis. E caso a gente marque dois, aí qualquer vitória passa a ser nossa pelo gol qualificado.
Mas sem animações exageradas, afinal, somos o Tottenham. O clube com maior capacidade de auto-sabotagem que já pisou em um gramado de futebol. Após aquela classificação espetacular com o gol de anca do Llorente, os Spurs jogaram cinco vezes. Perdemos quatro delas por 1×0 e ganhamos uma, ironicamente também por 1×0. O desgaste físico e psicológico do time é notório e as razões pra isso são sabidas. A falta de pré-temporada da maioria dos titulares uma hora ia cobrar seu preço e ele está sendo caro. Maldita Copa do Mundo.
A ausência de Harry Kane é um baque imenso, ninguém discute. Mas recorro novamente ao exemplo dado por um time vermelho nesta terça-feira, que fez o impensável mesmo sem Salah e Firmino. É claro que Pochettino adoraria ter também Aurier, Sanchez, Winks e Lamela pro jogo, mas tá na hora do Tottenham usar a sabedoria da vida e SE VIRAR. Se o que a gente tem é um Llorente no ataque, vamos ter que ganhar com ele. Se o Vertonghen tá meio grogue até agora, mas tiver condição de jogo, bora. Estamos cansados de desculpas prontas e explicações esfarrapadas. Se superem, lutem, entreguem tudo o que puder. Mas não saíam do campo pensando que poderiam ter feito algo mais.
O time holandês é excelente, muito bem treinado e talentoso até falar chega. Mas mantenho uma impressão de que a classificação depende mais do nosso time que do holandês. Explico: os comandados de Ten Hag vem sendo consistentes, jogando um ótimo futebol fora de casa, mas ainda não venceram em seus domínios no mata-mata da Champions. Desta vez eles nem precisam vencer, um empate basta. Mas eu já vi tantos bons jogos desse Tottenham nesses últimos anos e vi tantos jogos horrorosos do Tottenham nestas últimas semanas, que realmente gosto de pensar que nossos jogadores estão nos guardando algo de bom. Uma exibição de gala, como aquele 3-0 aplicado no Manchester United em Old Trafford.
Inteligência emocional foi algo que passou longe do nosso emblema no último sábado, quando perdemos de maneira dolorida para o Bournemouth. Duas expulsões destemperadas, muitos gols perdidos… É exatamente o vídeo que o Pochettino precisa passar aos jogadores nesta quarta, com o mesmo intuito que Guardiola passava jogos de times brasileiros aos atletas do Bayern de Munique (pelo menos é o que disse o lateral Rafinha). A lógica é, “tá vendo esse vídeo? Então, não façam nada disso. Eu quero exatamente o oposto…”.
Seria muito legal se o Dele Alli resolvesse nos brindar com uma boa atuação, só pra gente lembrar como ele pode ser bestial e esquecer um pouco o quanto tem sido uma besta. Eu também não acharia ruim se o Son voltasse a chamar a responsa e decidir em nosso favor, como fez na lesão anterior de Kane, no início desse ano. E porquê não invocar a lei do ex, com Vertonghen, Eriksen e Alderweireld, especialmente esses dois últimos, tão ligados a uma transferência para outro clube na próxima janela. Pode ser a última chance deles nos deixarem um motivo para serem inesquecíveis, por mais que estejam fardando camisas de outra cor daqui a 3 meses.
No dia 5 de abril de 1962, o Tottenham venceu o Benfica por 2 a 1, em White Hart Lane. Naquela oportunidade o placar não resolveu, porque havíamos perdido por 3 a 1 no jogo de ida em Portugal. Mais de 57 anos se passaram até que estivéssemos de novo em uma semifinal de Liga dos Campeões da Europa e nenhum de nós tem o direito de desistir agora. E uma vitória por 2 a 1 é tudo que a gente precisa para o melhor desempenho continental da nossa história.
Será uma longa quarta-feira, onde cada célula e todo fio de cabelo deve estar mentalmente concentrado em uma reviravolta do nosso Tottenham, proporcionando uma épica final britânica. Não sabemos quando (ou se) teremos outra chance deste tamanho. Falando assim parece exagero – e é mesmo – mas no que depender de mim, vamos até a final. Gostaria muito de fechar esse texto de maneira inspirada, mas o nervosismo já fala muito mais alto do que qualquer arranjo de palavras poderia descrever. Então, transmitindo a minha vontade e equilibrando os palavrões, um no início e outro no final do texto, vamos ganhar, porra!