Cinema: Dívidas de uma amizade
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“Nostalgia”, indicado pela Itália para concorrer ao Oscar 2023, indaga sobre os caminhos de uma amizade quando esta é atropelada pelos fatos e pelo medo
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Uma complexa relação de amizade entre dois homens está na base de Nostalgia, filme indicado pela Itália para concorrer ao Oscar 2023. Felice e Oreste eram inseparáveis na adolescência de delinquentes em Nápoles. Além da adrenalina, um componente de homoafetividade se insinua nos flashbacks que evocam esse vínculo do passado.Quatro décadas depois de partir para uma vida bem-sucedida entre o Líbano e o Egito, Felice retorna à cidade natal para cuidar da mãe doente. Decidido a morar em Nápoles e trazer a esposa egípcia, ele quer também reencontrar Oreste, agora um mafioso miúdo mas temido, e sanar uma mágoa que nunca se curou entre os dois após um incidente criminal.Com sua expressão patibular, Pierfrancesco Favino vive esse homem em busca de reatar com suas raízes, custe o que custar. Ele deambula pelos bairros populares de Nápoles com olhos de redescoberta. A cidade parece ter mudado apenas na superfície, mas continua refém da violência da Camorra e assombrada por motoqueiros armados. As ruas e becos são filmados em chave semidocumental, de tal maneira que quase sentimos o cheiro dos lugares. Cercado de ameaças e conselhos para que parta dali, Felice domina o medo em troca de uma ideia de pertencimento (a nostalgia do título) que, no entanto, não me pareceu bem fundamentada dramaturgicamente.Em todo caso, embora retarde bastante o engajamento do espectador, o diretor Mario Martone logra um bom clima de tensão psicológica à medida que os dois ex-amigos se aproximam um do outro. As cobranças do passado, pelo código da Máfia, não perdoam dívidas.Um subtexto interessante do filme é o papel da religião. Convertido ao islamismo, Felice será ajudado por um padre católico que mantém relações humanitárias com o submundo. Os pequenos altares domésticos são encontrados não só nas casas de famílias decentes, mas também na moradia de traficantes e no bunker de um cappo mafioso como Oreste. Sabemos bem como a fé religiosa é um canal para muitas demandas da vida italiana.Nostalgia é um filme sóbrio e discreto, que não chega a arrebatar ninguém pelo enredo, nem pelo estilo. Mas levanta indagações sobre os caminhos do afeto quando este é atropelado pelos fatos e pelo medo. A nostalgia, afinal, é um engano do qual temos prazer em ser vítimas. Nostalgia está nos cinemas.O trailer:https://www.youtube.com/watch?v=W2b3_QAcUgc