“Ninguém gosta de nós”
Eu não gostava, aliás, detestava quando meu pai dizia essa frase fatalista:“Ninguém gosta de nós”.Não foi nem uma, nem duas vezes, foram várias. E eu sempre achava, cá por dentro, que ele exagerava.Meu pai não tinha formação intelectual alguma. Faltava às aulas seguidamente. Os inspetores vieram saber o motivo das faltas. Souberam, então, que ele não tinha sapatos.O pai do meu pai era extremamente religioso. Quase um rabino. Trabalhava numa fábrica ganhando um salário de fome que não dava para sustentar a mulher e os seis filhos.Um dia, seu chefe chamou-o ao escritório. “Você vai ser promovido, vai ganhar o dobro do seu salário”, disse-lhe, “mas de agora em diante terá que trabalhar também aos sábados”.“Obrigado, mas não posso” respondeu meu avô, “minha religião não permite, o sábado é um dia sagrado”.E continuou assim, levando uma vida miserável, sempre reprovado por minha avó, pois era ela quem tinha de aguentar as crianças pedindo comida enquanto ele trabalhava.Mas ele era o chefe da família. Sua palavra, em casa, era lei.Até que, um dia, enquanto meu pai estava no fronte, os nazistas invadiram a pequena cidade da Polônia onde a família morava, chamada Drogobytch. Construíram um campo de extermínio, para onde levaram todos os judeus. Os pais e os irmãos do meu pai, que eram extremamente pobres, e que jamais ofenderam ou atacaram os nazistas foram assassinados na câmara de gás. Um talentoso escritor, Bruno Schultz, que os críticos comparam a Franz Kafka, teve o mesmo destino, nesse mesmo campo, que não era grande nem ficou conhecido como Auschwitz, Treblinka e outros.Minha primeira vez como vítima de antissemitismo foi aos oito anos. Eu estava sentado num degrau da escada do prédio onde morava, em Walbgech, na Polônia, quando um menino da minha idade apontou o dedo para mim e sentenciou:“Você é judeu”!“Jaed”, em polonês.Eu não era igual a ele. Pior, era seu inimigo. Um invasor. Eu não deveria estar aí. Ele era polonês, e eu, judeu! E não ucraniano, seu vizinho. Ele já sabia, ainda criança, que devia ao menos me desprezar e, no mais, me odiar. Seus pais não deixavam que brincasse comigo.Aqui no Brasil nunca ninguém na rua me chamou de judeu. Meus pais nunca foram impedidos de vender roupa de casa em casa, a prestação, nos bairros paralelos à Via Anhanguera. Nem eu fui impedido de trabalhar por ter um nariz adunco.No entanto, em tempos como o atual, vejo e sinto muitos dedos apontados para mim e me condenando:“Você é judeu”!Ninguém me disse isso, mas eu ouço.Eu ouço a frase ao ler, nas redes sociais, que o que Israel está cometendo é um holocausto e que os líderes israelenses, Netanyhu à frente, são nazistas. Uma disputa por terra, que começou há 100 anos, quando judeus fugiram dos pogroms da Ucrânia para a Palestina, então governada, em regime de protetorado, pela coroa britânica, ganha o mesmo peso de um episódio em que Hitler determinou a extinção dos judeus que nunca o tinham atacado com mísseis nem dividido com ele suas terras.Uma coisa, por mais terrível que seja, e é, é uma guerra entre dois inimigos, armados, mesmo se um deles tem mais armas que o outro; outra é retirar de casa pessoas indefesas, desarmadas, jovens, adultos, crianças e velhos, mandar arrumar a mala e levá-las a um campo de extermínio. E exterminá-las. Não é uma guerra, não é um combate, no qual morrem pessoas dos dois lados. Os nazistas não morreram nas mãos de judeus.A comparação não faz sentido, ao menos para mim, mas foi adotada por grandes segmentos da sociedade em todo o mundo e, dessa forma, ganha contornos de verdade, ao menos nas redes sociais. E passa a ser o mantra universal.Quando a maioria decide alguma coisa, certo ou errado, pobre de quem pensar diferente.Passa a ser execrado, cuspido, cancelado, é taxado de inimigo da civilização, dizem que suas mãos estão sujas de sangue, desejam sua morte e, se morrer, seu óbito será celebrado.